quinta-feira, 14 de agosto de 2014

The Moon & The Cops



Estava sóbrio ontem a noite. No caminho de volta não sabia mais onde sentar naquele bonde. Chego em casa, subo as escadas tateando as paredes e ao abrir minha porta mais uma vez te encontro com suas algemas, e a faca mais afiada que encontrou em sua coleção. Pela porta entreaberta de nossa pequena varanda entra a luz da lua - um tormento. Ela reflete em nosso chão de taco mal-lustrado, e se espalha na penumbra de nossa sala de estar. Talvez exista algo pior que estar sozinho aqui. Sirvo duas taças de vinho, e tão logo a primeira parte desce pela garganta, você começa a matar-me aos poucos. 

Não chame a polícia.

Não consigo entender como meus pulsos vão ao encontro de suas algemas. Mal percebo o meu corpo caminhar pelo apartamento escuro e esbarrar em uma corda preparada exclusivamente para mim. Não resisto. É minha única chance de fazê-la feliz. É o que sempre quis para mim: Este amor verdadeiro.

Me mata aos poucos, gota a gota, trago a trago.
Me mata aos poucos, fio a fio.
Me mata aos poucos, dente a dente.

O vento frio que entra pela janela faz minha velha cortina se movimentar. É alguém a caminho. São passos de uma sola de bota de couro no corredor. São chaves que balançam em um bolso de calça. É uma cadeira que se arrasta, com alguém prestes a levantar-se. São teclas de uma máquina de escrever. É tudo mera ilusão. O vinho acaba, e tento manter-me lúcido, vendo meu sangue escuro escorrer todo ao chão. A luz da lua me cega, e penso que é hora de dar a volta, descer as escadas, e tentar encontrar os meus óculos no térreo, na avenida, seja onde for. Ainda há tempo, quem sabe. Chame a lua, não a polícia. Chame, antes que a chuva venha, ou antes que o sol nasça. Antes que tudo suba, ou vá ao chão.

Tudo devagar, segundo a segundo. Tudo aos poucos, como a fumaça de um trago.