quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Maybe Remember - Who We Are X



Enquanto os internos preparavam-se para se apresentar em forma ao final da tarde, percebo, de longe, um discreto garoto que afasta-se sorrateiro a fim de tomar rumo de sua obrigação.

Acompanho seus passos tentando vigiar seu caminhar apressado, em direção a uma velha bicicleta. Sem sucesso, busco adverti-lo para que retorne ao grupo. Com pressa de ganhar suficiente distância, por fim, faz-se perder de vista em meio às ruas de calçamento que nos cercavam.

Enquanto dirigia à sua procura, o sol se punha em um espetáculo no horizonte, embalado por uma brisa suave que carregava algumas nuvens e um ar fresco àquele pacato bairro.

A postura distinta do jovem aventureiro não dificultou minha tentativa de encontrá-lo. Ao contrário, pude acompanhar de longe seu trajeto até o outro lado da cidade que, àquelas horas, era iluminada pelas luzes dos postes.

Estaciono meu carro quando percebo que, após longo e desafiador trajeto, alguém o esperava no meio de uma não tão movimentada avenida.

A tímida jovem caminhava em sua direção e, como que eterno, o abraço que parecia ser o primeiro de suas vidas, fez minha discrição valer a pena. Tamanha era a mágica de seu encontro, sequer os poucos carros que passavam ao seu lado na rua, eram capazes de fazê-los desperdiçar o pouco tempo que lhes restava.

A brisa suave que ainda acariciava as folhas das árvores ao redor daquele casal trouxe, como um agrado que fosse, algumas gotas delicadas de chuva. Entre os doces beijos e os olhares mais vívidos que jamais havia presenciado, pude sentir o peso que o adeus tentava-lhes impor, conforme os minutos se perdiam em meio às gotas de chuva.

Em um último adeus, senti sobre meus ombros o peso da saudade que apressava-se em castigá-los após a despedida. 

Como se tudo não passasse de uma estranha recordação do passado, ligo meu carro e retorno em meu caminho, acompanhando o jovem rapaz que, cada vez mais distante de mim, apressava-se em tomar de volta o caminho para casa.

Wicked Game 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Seven chances, seven choices



"Enquanto olho para os seus olhos verdes, espero uma resposta convincente acerca de um motivo para ficar."

Eram quatro horas da tarde e, costumeiro de uma tarde de inverno, o sol apressava-se em esconder entre as árvores que estavam mais a oeste naquele parque.

Caminhávamos de braços dados por entre os espécimes ali plantados, os quais não saberia distinguir - sequer se estivesse plenamente sóbrio.

Com o frio em nosso encalço, disfarço minha voz levemente embargada com o fato de não estar suficientemente agasalhado, por mais que o frio cortante daquelas sombras fosse mais confortável do que a sensação de que o relógio me furtava apressado os minutos ao seu lado.

Insisto em dizê-la que estava me sentindo bem como nunca. Torço minhas lembranças como um lenço úmido, a fim de retirar dali argumentos como gotas que pudessem disfarçar a pesada saudade que, há alguns carnavais, sua ausência me provocava.

Como uma faísca em um barril de pólvora dos meus sentimentos, diminuo meus passos - sabe-se lá de qual de meus abismos encontro tal desatino - e peço:

- Você me perdoaria se confessasse que te amo?


What If I Stumble

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Mr. Walker maybe return well: Maybe Real. - Who We Are IX



Escorado em um guarda-corpo a alguns andares de distância do térreo, embalado pela oscilação que meu corpo provocava sobre aquele ferro mal encaixado, olhava fixamente para um banco lá no jardim.

Via ali um rapaz, como que tímido, imerso em um inconfundível amor, com os olhos fixos na foto de uma bela moça. Tinha a foto em sua mão esquerda enquanto tomava seu café - compenetrado que estava, creio eu, havia deixado esfriar há muito tempo.

Intrigado, não conseguia deduzir se estava à espera de alguém ou tão somente deixava o tempo passar, como se aquela foto de fato fosse o motivo de estar ali.

Como um bom contágio, deixo-me ser levado pela euforia com que seus olhos sonhavam encontrá-la em algum lugar longe daquele mundo. Amor proibido que fosse, talvez impedisse-o de, sequer, ir ao telefone mais próximo para ouvi-la - meras suposições, é claro.

Poderia ser que, devido ao frio, não pudesse caminhar no pátio deserto até o telefone. Ou, talvez, ela já não poderia atendê-lo. A distância poderia ser um castigo irremediável, ou então, como um terrível destino, estariam enclausurados em mundos aos quais não poderiam despertencer.

Quem sabe, aquele sorriso contido reservava muito mais aventuras que um mero observador pudesse descrever em suas velhas memórias.

Sem saber o motivo, a cada segundo que meu relógio me furtava despretensiosamente, era absorvido pela estranha mágica que aquela cena me causava. Seja pela figura doce de um encontro impossível, ou simplesmente por não passar de uma velha e secreta lembrança.



Alter Bridge - This Side Of Fate

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Who We Are - VIII



Acordo outra vez, em meu sofá. O apartamento quase vazio, mas metodicamente organizado, ainda me traz algum tipo de conforto quando minha mente ousa desafiar meus instintos, e tenta forçar-me a admitir que deveria deixar de lado minha fuga.

Olho fixamente ao telefone que está na outra extremidade do meu leito e, como provocação que fosse, sou levado em uma ciranda suicida até ele. No seu canto, deixei um bilhete na noite anterior. O único que, por um infortúnio, recusou-se a alimentar a chama de meu isqueiro.

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Percebo que nossos dias correm como as folhas trazidas pelo vento lá fora. Jamais poderei revê-las, a não ser por meio das lembranças que me aprisionam todos os dias.
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Em uma bela caligrafia, um segredo a ser decifrado revelaria um número de telefone. Em sua textura, um perfume que me transportava a um passado agradável no qual jamais estive - de sorte que, neste momento, duvidava haver outra vida que resistisse às minhas desventuras.

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Insisto em acreditar que nossos passos contrários são um plano seu. No entanto, todos nós somos reféns da areia que, apressada, cai incansável em nossos relógios.
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Levanto-me outra vez, com a calma necessária para que o mundo deixe de girar ao meu redor e, com o bilhete na minha mão, sirvo-me de uma dose qualquer e caminho em direção à varanda.

A cada passo que dou, reluto entre a necessidade de esquecer nosso fim e o desejo de admitir que preciso encontrá-la. Conforme o doce e sutil veneno que corre pelas minhas veias tenta tomar os meus escrúpulos em uma batalha travada, deixo de lado novamente a missão de afastar-me de nossas lembranças.

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Sei que, no fim de tudo, nossa fuga é um doce e embriagante vício.
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Fecho os olhos e, indisfarçável, sou tomado pela euforia de cogitar que poderia enfim abraçá-la. Minha mente reproduz o som sutil da sua voz e o vento traz a sensação catastrófica que senti ao dar-lhe um último abraço antes de partir para sempre. Por não acreditar em nosso fim, guardei o insano desejo de tê-la novamente em meus lábios, como um mero fruto de meu capricho.

Intencional ou não, seu enigma foi para mim a salvação de um dia sombrio.

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Vida Longa,



sábado, 23 de fevereiro de 2019

Who We Are - VII




Após desligar o telefone, percebi que não havia colecionado suficiente ousadia para revê-la.

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Paro o carro a um quarteirão de distância do nosso ponto de encontro. Prometi a ela que estaria sóbrio e, há pelo menos algumas horas, sem fumar. Confesso que, conforme caminhava, buscava em mim alguma forma de disfarçar o não cumprimento de minhas juras. Pensava que, no fundo, ela sabia que eu não o cumpriria.

Ao avistá-la a uma distância suficiente, não consigo conter em mim a guerra entre desviar o meu passo até encontrar a calçada do lado oposto da rua, ou apressar os passos em sua direção.

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Quando a vi pela última vez prometi sequer roubar um sorriso, ainda que soubesse que a sua ausência me levaria à loucura.

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A distância entre nós torna-se pouca, a ponto de obrigar-me a disfarçar meu desconforto. Isso porque, impulsivo que era, tentava apagar com um conta-gotas o caos que se formava em mim, entre a incerteza de roubar um beijo e perdê-la pra sempre, ou esconder meu fascínio e ao menos embriagar-me com o doce som de sua voz, quando os céus me permitissem revê-la.

Ao caminhar em sua direção sinto um estranho silêncio ao meu redor. Sinto o seu perfume, como aquele que fez habitar em minha mente há anos atrás. Sinto como se meus passos apenas me distanciassem de nós dois e, tão logo percebo, paro.

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Tudo é diferente de quando estava aqui.

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- O que deveria fazer, então?
- Tente imaginar como é estar todos os dias sem você.


(Glide)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Para Você - Who We Are VI




Eram mais de sete horas da noite e o céu não havia desvanecido em sua escuridão, ainda que não estivesse limpo. O clima úmido e ora caótico após outra interminável tempestade de verão tornava magnífica a paisagem à beira da estrada.

Venço minha inércia e abro a porta de meu velho carro. Passavam poucos carros por ali no momento, a ponto de permitir-me a paisagem como outro palco - dentre os inúmeros - para a bagunça de meus pensamentos tomarem forma.

Caminho até o outro lado do carro e, após apoiar-me cuidadosamente na porta, minhas mãos instintivamente perseguem o último cigarro que há no bolso de minha camisa.

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Lembro-me bem do dia em que havia
em mim a certeza de que havia encontrado
a chave para retornar ao meu roto e 
preterido passado. Olhei-o nos olhos mas,
em um doloroso golpe, percebi que nada 
havia naquelas páginas senão as marcas
de minhas mãos tentando apagá-lo.
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Com o cigarro queimando por si só entre meus dedos, deixo com que a fumaça torne-se menos importante do que meus olhos fitos em um ponto qualquer, à minha frente. Não tão distante de sóbrio, permito que minhas antigas lembranças povoem novamente minha mente, a reprisar a tentativa de dizimar-me aos poucos.

As horas começam a tornar mais escuras as formas ao meu redor. Deixo cair o cigarro sem tê-lo tragado mais de três vezes. Termino de apagá-lo com a ponta de meu pé direito e, outra vez, fito meus olhos no espetáculo de cores que o pôr do sol tentava sufocadamente promover dentre as nuvens ao seu redor.

Sinto outro aperto em meu peito, ainda a lembrar em minhas entrelinhas que deveria tentar revê-la, mas tudo o que faço é afastar-me do carro, abrir a porta sobre a qual estava firmado e sentar-me no banco do passageiro.

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A estrada levaria até o local o qual 
teria sido a sua casa em tempos longínquos.
Lembro-me de ter gasto uma de suas últimas
fichas na tentativa de avisar-me de sua partida.
Naquela noite nos reencontramos no lugar 
de nosso primeiro beijo, quando prometi jamais
esquecê-la. 
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Atordoado em meio ao turbilhão de pensamentos que pairavam sobre minha mente, abro o porta-luvas e encontro ali meu velho Colt 1911. Haveria de ser um presente oportuno de um bom amigo. Mas tudo o que realmente queria estava guardado ao seu lado: Um novo maço.

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Vida Longa,

(Dare If You Dare)