sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Far From Home - Who We Are XI




Da superfície dos meus olhos rolam um turbilhão de lembranças, com um discreto e contido sorriso que só é possível distinguir pelo lado de dentro das minhas janelas.

Lembro-me de um passado ao qual retornaria indubitavelmente. Meus pés são capazes de representar o toque naquele asfalto úmido com restos de areia em uma avenida litorânea. O ar frio que toca a minha pele me faz lembrar a estranheza de andar sozinho em um lugar tão longe de casa.

Meu coração em um misto de nostalgia e pânico, me avisa que os dias voam. Meu bom senso insiste em me instigar a ser racional. No fundo, tudo o que sei é que há muito a ser preservado para o lado de dentro das janelas.

Abro os olhos e me esforço em colocar-me em pé. Olho ao meu redor, e ouço o som das ondas como que caminhando em minha direção, em um doce convite a abraçá-la mais uma vez, para longe da fronteira.



(Killing me Sweetly)

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Don't forget it.



Olho para a neblina que está do lado de fora, emoldurada pelas portas de minha varanda. Em um misto de atônito e saudoso, estou em pé, acompanhado de um bom vinho - propício à chegada das adoráveis estações frias. Apesar de ser um belo dia, o fato de tudo girar ao meu redor me faz temer os próximos degraus aos quais não escaparia desbravar.

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Tudo o que sei é que lançar várias pás de terra sobre meus principais ideais, aos poucos, já não é suficiente a me fazer desistir.
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Observo em pé tudo o que está ao meu redor. Seguro com minha mão direita o meu casaco, e com a outra preparo-me para apoiar meu corpo em algo que cruze meu caminho tão logo este seja lançado à deriva pelo mínimo de equilíbrio e reflexo que me resta.

O tempo todo, pergunto ao meu bom e velho amigo:
- De onde você desenterrou a certeza de que ela me perdoaria se conhecesse o caos que habita meus pensamentos?

Quando era mais jovem, repetia como um mantra: "Eu vou sobreviver a isso". De fato, apesar de estar em pleno vigor para fazê-lo, não tinha em mim a maturidade em reconhecer que meu salvo-conduto era justamente aquela bagagem, a qual havia tentado plantar a alguns palmos da superfície de meu jardim.




Midlife Crisis

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Verucchia: About another dream



Saio pela porta dos fundos, e fujo para onde está me aguardando - nosso lugar secreto.

Seu olhar desafiador me instiga a competir entre nossas loucuras. Procuramos a cada curva aumentar a velocidade, pouco importando quem viria em nossa direção - a essas alturas, sequer um colapso competiria com o caos criado por nós dois.

Afinal de contas, quem haveria de proibir nossas façanhas? Já não deveríamos, pois, apossarmos de nossos próprios destinos?

Tudo o que sei é que nosso lugar secreto um dia terá um fim. Pudera eu visitá-lo eternamente! Um dia nossa coragem se esvairá em direção à escuridão - as chamadas boas lembranças.

Tal qual uma roleta russa, dou-lhe a eternidade em beijos e me desfaço no calor de seus braços. Em algum momento, em um tiro certeiro a agulha percutirá o projétil, e será o nosso fim.






Hotel Rio
2020.03.30

quarta-feira, 29 de abril de 2020

She knows that this is our true story



Desde antes do sol raiar e, como uma velha reza, agradeço por ainda estar vivo. 

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Lembro-me da noite na qual descobri a chave que nos conduziria a um lugar em comum. 

Era uma noite de outono, cuja atmosfera revelava a razão de ser minha estação predileta. Chego de viagem e, ao entrar em meu apartamento, abro a porta da varanda e deixo o vento frio invadir sorrateiramente minha sala.

Sóbrio como raramente havia de estar, deixo que a distração causada pelo turbilhão de pensamentos no silêncio de meu lar me domine, enquanto sento-me no sofá e, por um instante, fito meu velho piano armário.

O relógio na estante me instiga à cautela: as horas apressavam-se em mergulhar noite adentro.

Como que um feitiço, caminho embriagado pela ansiedade de relembrar uma de nossas músicas e, tão logo os martelos golpeiam as primeiras notas de nossos acordes, sufocadas instintivamente pelo pedal do meio, sou interrompido pelo toque do telefone.

Atônito, confundo-me com o medo de que a cidade toda desperte com aquele toque ensurdecedor. 

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- Tocava agora mesmo uma música para você. Jamais acreditaria, não é?
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Olho para tudo o que gira ao meu redor. Inspiro-me tão somente a registrar o que sobrou do caos que a última tempestade deixou em mim.

No final das contas, sobrevivo em saber - e eu o sei! - que você sempre esteve por perto.

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(The tide began to rise)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Near the Sea



Afinal, qual o tamanho de sua vontade de fugir?
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Após outro encontro fugaz, preparo-me para partir, quando tenho a sensação de que seria a última vez que a veria.

Todas as vezes que o destino nos presenteava com um reencontro, temia ser a última vez. Isso porque o sonho de reencontrá-la em meio aos nossos avalanches nos destruía aos poucos. De fato, não sabia até quando sobreviveríamos às consequências de nossos acasos.

Aliciado pelo seu olhar, tento em duas mil palavras justificar o desbrio com o qual fugia de seu apego.  No entanto, era voraz o desejo de aniquilar impiedosamente a distância entre nós dois, e tomar o seu sorriso  no toque de nossos lábios.

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Tudo bem, é isso o que eu quero! - Dizia eu, em meias palavras, tentando fazê-la compreender aquilo que minha falta de coragem não me permitia expressar.
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Ao fim de tudo, enquanto mais uma vez nossos passos nos fazem distanciar, sinto como se não passasse de outro sonho. 



19 G 30 P 12


Bang Bang

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Relapse



No momento em que tudo o que deveria abandonar resumia-se em fumaça aos meus olhos, senti em mim a segurança de que enfim seria livre.
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Findo o Santo Rito, escrevo em um sucinto bilhete tudo o que era digno de ser queimado em frente ao enorme crucifixo no altar daquela capela. Não era simples a tarefa de admitir em palavras aquilo que, há tanto tempo, norteava os meus passos.

Em meus passos até o fogo que consumia os mais obscuros segredos de todos aqueles que ali estavam, buscava no mais profundo de meus pensamentos o desejo de aprisionar-me ao destino que havia sido desenhado para minha história.

Ao passo em que o papel queimava, sentia em mim a certeza de que enfim poderia caminhar desprendido de meus vícios de outrora, e do castigo que aquela fuga me propusera há anos e anos atrás.

De fato, o último adeus era como uma estranha certeza de que nos veríamos outra vez. Ver seu corpo em paz, ornamentado em um leito que, quase forçado, tentava ilustrar o paraíso que havia me apresentado décadas atrás, me fazia em alguns momentos desacreditar que todo aquele ritual era real.

Acendi, pois, uma vela a fim de não me ser representado como um forasteiro, apesar de realmente sê-lo. Coloquei meu último bilhete sobre suas mãos. Era de fato o nosso fim.

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Perdoai minha fuga. Perdoai meu medo. Perdoai minha pequenez. Não menti quando te amei. Não menti quando abracei. Não menti quando a beijei.
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Em certo instante, tive a impressão que tudo o que tentava abandonar estava agarrado em mim, como um eterno vício. Toco em suas mãos tomadas pelo frio e relembro seu olhar distante. Apesar de estar tão perto, sequer ouviria quando eu a chamasse pelo nome.

Tudo o que tinha naquele momento soturno era, tão somente, as lembranças que carregava comigo. Nossas aventuras, nossos mundos, nossa confissão de um verdadeiro amor. De fato, tudo o que um dia vivemos, tornou-se um perfeito epitáfio em nosso último adeus.

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Abro outra dose de um bom veneno e, astuto que era, este toma meu bom senso como refém de um eterno vinho que me fazia, aos poucos, acostumar a sua partida.


man in the box

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Memories from an arsonist choir.



Abraço-a forte, como se algo quisesse tirá-la de meus braços. As curvas de seu desenho envolto por minha mais plena insânia torna meu bom senso em uma bomba-relógio.
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Procurei-a por diversas vezes, mesmo sem saber ao certo o seu nome. O máximo que poderia me auxiliar em meus devaneios era o retrato de seu sorriso estampado em uma boa lembrança naquele café.

Não me atrevia a contar todas as tentativas de reencontrá-la. Tal qual naquele dia, sentava-me no mesmo banco de frente para a porta, com um forte e amargo café expresso acompanhado por qualquer outra coisa, arriscando-me a acreditar que um dia a veria outra vez.


A cada estalo ensurdecedor do ponteiro de meu relógio em meio ao caos que se formava, percebo que, apesar de o mundo todo julgar ser uma cilada inexorável, se pudesse olhar outra vez em seus olhos, não hesitaria em embeber-me em sua astúcia.

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Tudo o que tinha de nós dois era o recorte de um velho jornal, de quando nos vimos pela última vez.
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Com os olhos fechados por alguns instantes, sinto meu rosto contrair-se em um discreto sorriso, ao trazer à memória a sensação de euforia de tê-la em meus braços outra vez. 

Sabia muito bem que alimentar o vazio que a sua ausência me provocava, era tão somente mais uma maneira de fazer-me morrer aos poucos.

You Can't Fix This