sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

I Love You, Too (Unread Letter - V)

"...deu-lhe um beijo e partiu.
Disseram-lhe um dia que não haviam limites.
Deu-lhe um sorriso, sabendo que havia uma esperança de que ele voltaria no outro dia.
Pisou fundo, levantou a poeira, e sentiu o aperto.
Sabia, é claro, que aquela era a última vez, o último beijo, último adeus.
Quis partir sem avisar, sem compromisso algum de lágrimas ou recomendações repetitivas. Estaria longe quando todos sentissem sua falta.
Mal sabia que precisariam de longas décadas para isso.
A longa avenida pareceu pequena. As curvas, imperceptíveis. As notas menores de suas músicas prediletas passaram em branco. E todos os caminhos levaram-no para longe. Os sinais sempre se abriam, não importava a velocidade.
Descobriu então que tudo não teria passado de um sonho, um devaneio qualquer. Tudo estava bem novamente, tal qual acordar de um pesadelo.
Sentiu o aperto no peito mais uma vez. Uma velha música começou a entrar na faixa de seu rádio. 
Não era tarde.
Acendeu um cigarro, contemplou as próprias olheiras, e o que restava de esperança dentro de si.
Não houveram pausas para o café, não baixou a luz. E finalmente disse Adeus. 
E foi então, que seu sonho começou a tornar-se real, mais uma vez."

(Unread letters from Joe, 2011)



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Before I Make My Final Run (Unread Letter - IV)

"Em um Carnaval qualquer nos cruzamos pela rua, a ponto de esbarrar. Muitas histórias nossas caíram ao chão, e por gentileza extrema me ajudou a juntar uma a uma. Olhei aquele sorriso paciente e morri um instante por dentro, a ponto de não compreender mais o que faria. Deveria correr, ou pedir o seu número?

Mal sabia que em meio às minhas histórias estavam as suas histórias, traçadas há mais de cem anos. Estavam os seus olhos, que toleravam toda a minha loucura, e a sua voz doce que dizia que eu deveria correr atrás dos meus sonhos. Haveria tempo? - perguntava a todo momento, até em cartas ao vento sobre tantas coisas passadas.

Cegamente corri a sua volta, e tentei a todo custo ler as suas páginas, suas histórias, e encorajá-la a correr atrás de suas aventuras. A conheci por dez anos, que mais pareceram dez vidas, sobre tantos sorrisos, desabafos, sucessos, imperfeições, fugas. Corri literalmente à sua casa, até mesmo em sonhos.

Como é difícil viver algo que já se sabe a séculos, dificultar algo que eu nem ao menos criei, ansiar passar o tempo todo por perto, em paz. Onde está agora? Saberia me dizer a diferença do que eu sou para o que eu deveria ter sido naquele primeiro esbarro de nossas vidas? Admito que a sua voz tão doce sara a minha devassidão minuto após minuto. Mas afinal, para onde foi?

No final das contas, eu tento acreditar o tempo todo que ninguém mais vai partir. É algo que eu não tenho mais forças para enfrentar, assumo. Talvez porque você me leva a um caminho melhor, como sempre pedi aos céus. E agora, deveria mesmo deitar-me aos seus pés, frente ao seu caminho, ou então implorar para que me levasse contigo onde quer que fosse?"

(Unread letters from Joe, 2011)



If I Had The Time (Unread Letter - III)

“...porque afinal, eu seria louco o suficiente. Na verdade, amar não é loucura, não para mim. Mas haveria tempo o suficiente? Haveria a oportunidade de provar que o sentido da minha vida é outro, muito além do sentido da replicação de meu material genético?

De fato, não funciona. Já tentei até mesmo dormir com a cabeça aos pés da cama, para mudar o sentido de meus sonhos. Todo caminho que trilho no final das contas me leva a você. Até mesmo o mais fajuto dos atalhos. Não há tempo de voltar atrás, não agora. Mas e no futuro?

Tomo uma xícara de café preto, apoiado no guarda-corpo da varanda, vendo o movimento lá no chão, e a impressão que tenho é que você vai passar lá embaixo, e eu vou poder gritar o seu nome, e descer as escadas como um louco ao seu encontro, mais uma vez. Deveria ir a um hospício tomar um sol.

Na verdade, não era exatamente de um hospício que eu precisava. Precisava apenas de que cada segundo de confusão durasse uma eternidade. Que ninguém entendesse meus bilhetes guardados na escrivaninha, e que meu café me desse insônia ao invés de sono. Para que ser tão controverso? Ou eu não sei que eu existo.”


(Unread letters from Joe, 2011)



terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Eu Quero Que Você Saiba (Unread Letter - II)

"Em um futuro distante talvez, ou em meio ano.
Apenas uma esperança.
Deitados em um tapete olhando a luz do quarto pensando ser a lua ao som de boa música.
Apenas um sonho.
Dizer toda a verdade e perder algo tão puro, seria no mínimo loucura.
Mas certas coisas não podem ser ditas, ou o universo teria fim. O meu, ao menos.
Entrar na sua festa como um bom par.
Inusitado talvez.
Antes tivessem acontecido tantas outras coisas ao invés de minha fuga.
Antes que pudesse explicar o quão triste ficaria ao vê-la partir, você já estava longe.
E quando toda a história terminou, fui o primeiro a aplaudir.
Um mero fanático, ou mais um.
Talvez o único que acreditou em sua história desde as primeiras páginas, sem pular um capítulo sequer. 
E desta vez, quando o meu livro terminar darei o primeiro e único impresso a você, que merece saber de tudo isso."

(Unread letters from Joe, 2011).


Unread Letter - I

"Quem sabe tiveram mil e um motivos para recusar tal devassidão escrita, sequer compreendendo a vírgula no final de uma história tão perdida, entre mil e um amores falsos, moralismos defasados e fatos mal contados. Fui convencido de que o erro que me perseguia haveria de me pegar cedo ou tarde. Passei a viver um desamor diário, fugindo de mim mesmo minuto a minuto, amor após amor. Não adiantaria nada declarar-me nestas condições. De que valeria uma nobre dama em minha companhia se eu não seria capaz de dar a ela todo o amor merecido? Não pensava em ser a causa das lágrimas de ninguém tão nobre. Por essas e outras, entreguei-me ao maldito pó, que me consumia dia após dia, a ponto de desvairar-me em mundos completamente diferentes do meu. Sim, em meio a uma nuvem de pó branco no meu apartamento, daria um último suspiro, e um sorriso em direção à fresta de luz de minha janela. Seria um último pôr do sol, fazendo o que mais me tranquiliza. Aquela carta à minha amada nunca chegou a quem deveria ter chegado, quanto mais a resposta! Este pobre animal viu-se abandonado pelas ruas, até ser recolhido por uma pá de ouro e colocado dentro de uma jaula. Pobre Joe! Mal sabia que declarar os meus sentimentos puros em um mundo de cinzas poderia ter feito a diferença. Não confiei em mim, tal como fizeram todos a minha volta, exceto aquelas vozes e vultos com quem eu amava trocar ideias ocasionalmente. Pude viver um belo amor em minhas ideias, beijei por cartas, tive uma overdose, ouvi boa música, e agora quero descansar, talvez naquele banco no qual me sentei com meu velho amigo, que agora não serve a mais ninguém. Nenhum lugar passa a ser o mesmo depois que quem se ama vai embora. Sim, alguém não cuidou-se em sua carreira, e foi embora cedo também. Velhos amigos me traíram também, por amores baratos, e foram embora, mesmo continuando vivos. Quero voltar para casa, hoje talvez. Não é tão terrível dar-me ao luxo de outro estado ébrio. Talvez seja isso que está escrito naqueles cartões amarelos que quem me controla segura na mão. A verdade é que eu sinto as correntes de uma vida premeditada apertar os meus pulsos, mas a essas horas, é difícil voltar atrás. Não há mais tempo de declarar um amor, de cantar uma bela canção ou escrever uma carta com boas palavras. Quem sabe em algum momento ouça uma grande explosão de um duto de gás, e eu volte à minha nobre infância, correndo à beira da estrada tentando encontrar o meu caminho, e dê valor ao por do sol, que me dirá a hora de voltar atrás. Enquanto isso ficarei por aqui, a escrever cartas não lidas da antessala de meu destino a algum bom amigo em um futuro próximo. Até mais ver!”

(Unread letters from Joe, 2011).