quinta-feira, 30 de agosto de 2018

See You Soon - Who We Are V



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Vinte anos mais tarde, e o mesmo bilhete diz: "Sei que um dia seremos só nós dois!"
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Eram três horas da manhã e o mundo todo estava adormecido - ao menos fingiam-no. Tudo o que eu ouvia era minha respiração em meio aos livros que havia redescoberto em minha estante. Errante que era em meio ao turbilhão de histórias a que cada página me devolvia, ouço um deslizar dentre as páginas e ao passo que o marcador de páginas ciranda calmamente em uma guerra contra a gravidade, observo que não era um marcador em si, mas uma espécie de cianureto dissolvido em letras de uma belíssima caligrafia.

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Não me diga adeus.
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Buscando disfarçar minha obsessão em meio ao apartamento vazio, apago as luzes e acendo uma vela na cabeceira de minha cama. A oscilação da chama faz com que eu perca a noção de que não deveria fazê-lo, mas meus olhos insistem em perseguir aquele pedaço de papel em meio à penumbra de meu quarto.

Ao juntá-lo e relê-lo naquela festa que as sombras de minha vela causavam em meu quarto, percebi que se tratava de mais uma velha peça de meu maior peso. Já não era possível ressuscitar aquilo que por tanto tempo me manteve vivo, e as lembranças de quem fomos um ao outro provocavam certa estranheza na bagunça que se formava dentro de mim.

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Já pensou que isto terá um fim?
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De certo, não sabia lidar com o fato de que nosso momento de viver nossos mundos em paz se aproximava do fim. Sua respiração em meio a nossa festa, quando o mundo todo sabia fazê-las, estava ofegante. Ela olhava em meus olhos, segurava em meu braço e dizia:

- Fique mais um instante!

A certeza de nosso fim cirandava a nossa volta, fantasiada de distante em um pessimismo desleixado. Tudo o que sabíamos era que, na verdade, não seríamos só nós dois, mas tão somente um de nós e a lembrança de não termos aproveitado o tão pouco tempo que tínhamos um ao outro.


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

The same voice, The same night.




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Dirigia sem rumo meu velho carro, em uma avenida quase despovoada. Uma noite como qualquer outra.
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Esperava a noite chegar todos os dias. Em minha juventude, vivia um impasse ao aguardá-la, mas no fundo desejar que ela demorasse mais alguns instantes a chegar.

- Deveria contar-me como um dia a menos a viver? – Ela indagava.

De fato, considerar como um dia a menos a viver seria um excesso a quem tanto pregava o pessimismo. Tudo dependia do quanto eu tinha medo de ter desperdiçado um segundo sequer, quanto mais sendo momentos irrepetíveis em meu mundo.

Tinha a impressão de que quanto mais buscava justificar minha fuga, mais próxima estava minha jaula.

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Todos nós temos uma jaula.
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Cada noite de fato mostra quão grande e gradativa é a distância que estamos de nossa liberdade. Já não temos todo o tempo do mundo – ainda que relutemos em provar o contrário.

Esperava a noite chegar todos os dias. Em meu platonismo tórrido, aguardava que ela viesse a me encontrar. Indisfarçável, apreciava cada dose de seu sorriso e sonhava tê-lo junto aos meus – ainda que taciturno que era.

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No final das contas, a chegada da noite não era sequer a noite em si.
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A chegada da noite era a responsável por um de meus maiores pesos: o de não ter aproveitado cada segundo ao seu lado. De fato, a noite era um doce sonho. Mas a sua chegada lembrou-me de que nenhuma vez sequer disse que a amava, e de que sua loucura – um fascínio! – era um vício incontrolável em mim. A sua chegada era como um lembrete de que não mais a veria em minha escuridão.

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- Por que você não foi embora?
- Talvez eu não tenha sido forte como ela – respondi.