segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Para Você - Who We Are VI




Eram mais de sete horas da noite e o céu não havia desvanecido em sua escuridão, ainda que não estivesse limpo. O clima úmido e ora caótico após outra interminável tempestade de verão tornava magnífica a paisagem à beira da estrada.

Venço minha inércia e abro a porta de meu velho carro. Passavam poucos carros por ali no momento, a ponto de permitir-me a paisagem como outro palco - dentre os inúmeros - para a bagunça de meus pensamentos tomarem forma.

Caminho até o outro lado do carro e, após apoiar-me cuidadosamente na porta, minhas mãos instintivamente perseguem o último cigarro que há no bolso de minha camisa.

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Lembro-me bem do dia em que havia
em mim a certeza de que havia encontrado
a chave para retornar ao meu roto e 
preterido passado. Olhei-o nos olhos mas,
em um doloroso golpe, percebi que nada 
havia naquelas páginas senão as marcas
de minhas mãos tentando apagá-lo.
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Com o cigarro queimando por si só entre meus dedos, deixo com que a fumaça torne-se menos importante do que meus olhos fitos em um ponto qualquer, à minha frente. Não tão distante de sóbrio, permito que minhas antigas lembranças povoem novamente minha mente, a reprisar a tentativa de dizimar-me aos poucos.

As horas começam a tornar mais escuras as formas ao meu redor. Deixo cair o cigarro sem tê-lo tragado mais de três vezes. Termino de apagá-lo com a ponta de meu pé direito e, outra vez, fito meus olhos no espetáculo de cores que o pôr do sol tentava sufocadamente promover dentre as nuvens ao seu redor.

Sinto outro aperto em meu peito, ainda a lembrar em minhas entrelinhas que deveria tentar revê-la, mas tudo o que faço é afastar-me do carro, abrir a porta sobre a qual estava firmado e sentar-me no banco do passageiro.

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A estrada levaria até o local o qual 
teria sido a sua casa em tempos longínquos.
Lembro-me de ter gasto uma de suas últimas
fichas na tentativa de avisar-me de sua partida.
Naquela noite nos reencontramos no lugar 
de nosso primeiro beijo, quando prometi jamais
esquecê-la. 
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Atordoado em meio ao turbilhão de pensamentos que pairavam sobre minha mente, abro o porta-luvas e encontro ali meu velho Colt 1911. Haveria de ser um presente oportuno de um bom amigo. Mas tudo o que realmente queria estava guardado ao seu lado: Um novo maço.

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Vida Longa,

(Dare If You Dare)