sexta-feira, 20 de maio de 2016

Vertigem



"Não é assim que sempre começa?"

Uma melodia, uma memória, ou apenas uma fotografia. Algo enquanto fumava um cigarro na varanda, fez minha atenção sublimar por um instante, tal qual uma alma tentando provar que é mais forte que o próprio corpo. Havia uma história sem fim, caminhando a passos leves e desatentos pela calçada, de modo que já não sabia se poderia sonhar um pouco mais, envolto na névoa voraz que juntava-se à minha loucura ou correr em sua direção, mesmo admitindo a tolice de que nossas histórias já não eram as mesmas desde que fugi.

Talvez, em alguma das inúmeras partes das histórias de minha vida fantasiosa que te contei, diminuí alguns anos em verdades. Sei que, no fundo, você não me perdoaria e sequer estaria aqui, ao meu lado, neste sofá de madeira em minha sala, tomando café e com os olhos fitos aos meus. A sua obsessão por meus olhos talvez até afaste da tua atenção qualquer verdade a tona. Mas de que isso importa? A essa altura, tudo se foi.

Creio que já saiba que tão próximo àquela esquina vivia aquele grande amor, ao qual dediquei cada um dos três beijos para casar que dei em minha vida. Porém, jurei a mim mesmo que nunca saberia de nada disso, e assim o fiz. Afinal, é coisa da tua cabeça. Jurei que não a abandonaria, mas nos últimos instantes fui eu quem puxou o gatilho.

Mas poderíamos ao menos tentar reescrever alguns instantes de minha loucura, a fim de procrastinar o que já deveríamos ter feito há décadas. 

"Isto tornou-se uma equação vergonhosa!"

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Quando estava debruçado no canto do parapeito em minha varanda, a vi passar na calçada do outro lado da rua. Sonho em algum dia entender o que passou pela minha cabeça quando decidi correr pela porta, atravessar minha sala em direção a saída do apartamento. Gostaria de relembrar o que motivou tal suicídio escrito quando meus pés vislumbraram um degrau onde não mais existia e pisaram em falso. 

Tal qual um peso morto meu corpo rolou pelas escadas, em uma decadência sem fim. A cada estrondo de meu corpo na madeira dos degraus, eu jurava que conseguiria levantar-me, mas era tarde. Haveria em minha história uma marca que me destruiria caso algum infortúnio do destino me permitisse sobreviver a tanto: o peso da culpa.

Enquanto meu corpo rolava incessantemente, sabia que não haveria de receber uma gota de perdão sequer, pois tudo havia sido em vão. Minha pressa em encontrá-la, forçou-me a criar um pesadelo a ponto de cair degrau a degrau.

A cada passo que meu corpo insistia em dar tomando as honras de meus pés em um doloroso descontrole, pensava que tudo isso poderia ter sido evitado. Menos desonroso seria estar fazendo as vezes de um fugitivo, um cronista louco, um devasso, do que fantasiar-me em hematomas de uma pressa infundada, que necrosou minha liberdade de fugir. Porque afinal, tudo havia sido em vão.

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Quando cheguei ao térreo, percebi que fiz certo ao deixá-la ir. Digo isto de maneira suficientemente egocêntrica, a ponto de transparecer que cabia a mim a decisão de tê-la comigo. Porém, em meu ábaco não haviam pedras para tantas histórias de um forasteiro platônico a ser escritas, muito menos somadas. O que estaria acontecendo comigo? Um desejo interminável motivado pela abstinência que você me causou.

"Silêncio, silêncio. Acalme-se!"

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Quando cheguei ao térreo, levantei-me como se todos aqueles oitocentos e noventa e seis dias de queda fossem apenas um passo em falso em um desnível imperceptível. Levantei-me e, sem qualquer disfarce ou capricho, ajeitei o que vestia, e ao olhar para o rastro de sua passagem no lado de lá da calçada, apenas dei-me ao luxo de sussurrar: 

- "Você e que exército?"

Oh Céus, você tem que fazer isto parar!