terça-feira, 22 de maio de 2018

Maybe Real - Who We Are IV



"Mera platonice", dizia.

Ouvindo o telefone tocar ao fundo, tal qual uma providência divina, acabo por lembrar de anos de minha juventude nos quais eu fugia - nunca ébrio como hoje - à procura de um amor invernal em um frio descomunal, no silêncio daquela cidade quase inabitada.

Aquele telefone incessante me faz delirar sobre a voz que me diria do outro lado daquele emaranhado de ligações distantes que deveríamos nos perdoar e seguir em frente. Não fosse um devaneio, seria o plano perfeito para enterrar um dos inúmeros da legião de fantasmas de meu passado.

Está tudo bem, eu juro.

Naquelas noites de inverno, as quais insistia aproveitar transformá-las em um palco para meu desastre, tive a honra de fugir para encontrá-la na estrada marginal. Lembro claramente que não pensei duas vezes quando ouvi o telefone tocar e atendi. Um passo deveras instintivo me fez perceber que ela estava do outro lado daquele silêncio. Me fez, também, convencer em meio ao meu medo que deveria fugir para encontrá-la no meio da noite, e assim o fiz. 

Corri como louco em sua direção e a abracei como se fosse a última vez. E quase o era.

Aquele telefone incessante no outro lado da rua me fez descer as escadas e  atendê-la em um sonho repetitivo, na qual ela insistia que devíamos mais uma vez conversar sobre nós dois. Estávamos morrendo aos poucos.

Ao menos desta vez, pude perceber em sua voz a sinceridade de que ela realmente queria ouvir que eu sentia a sua falta. Não fosse mais um sonho, poderia jurar que largaria o desastre cômodo no qual mergulhei para viver a vida que tanto sonhei e escrevi ao seu lado.

Não fosse um sonho, poderia jurar que já a esqueci.