segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Sherlock Holmes Como Testemunha (Short Memories - XIX)



Era o nosso fim.

Em uma noite fria com uma brisa seca, suave e sutil, eu estava caminhando para o último adeus. Era algo que queria outrora, em outra volta de meus ciclos. Porém, saber que nunca mais veria aqueles olhos que sorriam para mim a cada encontro já estava arrancando pedaços de mim. Na verdade, já não sabia o que queria.

Era uma velha história traduzida em um amor cruel. As diferenças nos separavam aos poucos por verdadeiros precipícios. Ao menos, as horas boas compensavam os segundos de morte que diariamente me cercavam. Seria um bom motivo para dizer adeus?

Ao vê-la caminhando em minha direção naquela praça, ao som de uma música qualquer em tom menor, que cantava nossas vidas apaixonadas de forma tão controversa, tinha certeza de que não era tempo para fugir. Mas era exatamente o que estava fazendo. 

O que faz alguém abandonar algo que ainda não está ao seu gosto? Se ainda não causou suficiente entusiasmo em estar na presença do outro para fazê-lo sorrir o mais belo sorriso, e ouvi-lo dizer as mais belas palavras de amor, para que desistir?

Eu disse adeus mesmo sabendo que não deveria fazê-lo. Metade de mim caminhava em um vestido negro agora em um sentido oposto, cabisbaixo, tentando entender o que me motivou a manter-me nos trilhos. Afinal, era o que o mundo todo queria: que eu ficasse nos trilhos. 

Em um súbito desatino, acelerei o passo para agarrar seu braço e dizer que tudo não passava de mentira, loucura. Foi aí que toda a minha história saiu dos trilhos e percebi que a única maneira de sentir o seu coração, era tê-lo dentro de mim. 

Tal qual um choque foi o meu despertar em minha cama naquela noite. Um banho de águas frias na correnteza de um rio que estava no fundo do precipício, e que me dava a chance de escolher um novo caminho. Mas meus segredos insondáveis estavam presos no peito daquela dama que em minha lembrança já não caminhava em minha direção. Mas teria sido um sonho, ou um devaneio?

De algo eu tinha certeza: era o nosso fim que se aproximava a cada dia. Era o nosso fim que dava as caras a cada remendo. Era o conta-gotas de um veneno qualquer que nos fazia apertar o passo a cada dia, estando o travesseiro ao lado ocupado ou não.

Mesmo sendo testemunha de todos esses crimes, Sherlock Holmes não teve suficiente coragem de fugir de seus livros para elucidá-los. 

Era, de fato, o nosso fim.

(Short Memories, Gabriel Derlan)