terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A Fool Theater.


As cortinas se abrem, ao som de passos fortes em um velho chão de madeira.

Act 1.

Eu preciso ser trancado em um quarto escuro com muitos fantasmas, um velho piano e você. São minhas fugas prediletas. Já convivo há séculos com meus piores pesadelos que me deixaram de olhos abertos até agora, mas a sua voz e o som de um piano fazem meu coração ter paz. Mas sei que nada disso é para sempre. Começo a tocar algo sem sentido, e você sorri para mim. As luzes se apagam.

Act 2.

As luzes se acendem, eu saio pelos fundos e sento ao camarote. Me escondo no meio da plateia que assiste ao show de um falso normal. Afinal, qual meu verdadeiro esconderijo? Assassinar a própria vontade e comprar a felicidade alheia não deveria ser o meu forte. Mas eu caí. Já teve medo de uma resposta, de um não? De ficar no escuro, de ser deixado de lado, e de ter compreendido mal uma forma de amar?  A essa altura já tenho que esquecer muita coisa. Tudo o que eu queria agora é traduzi-la em realidade, ao menos por alguns minutos. O cenário permanece vazio, e é isso o que eu quero mostrar: um teatro tolo e vazio.

Act 3.

Às quatro da manhã eu estaciono em frente à sua casa, e por ali eu durmo. Tudo o que eu quero é ver o nascer do sol do banco de meu carro, em frente a sua casa, para ter certeza de que aquele espetáculo todo não é você. Você me faz tão bem, que já tenho medo de estar correndo ao seu redor e me queimar mais uma vez, e derreter, e virar pó. Quando é que você finalmente vai me tirar daqui? Pelas cortinas da coxia, te vejo passar sorrateiramente, aguardando a sua entrada ideal. Não vale a pena desmascarar tudo o que já se sabe: você é o próprio sol, e é por isso que quando te vejo disfarçada de mulher, já são mais de duas da manhã. Você pula de trás do palco, e todo o teto de meu cenário pobre torna-se rosado, alaranjado, um verdadeiro espetáculo. Na verdade, eu deveria mesmo admitir que quem trouxe toda a graça ao elenco foi você. E deveria admitir que hoje, sem você, não chegaria a lugar algum. Devo ter me tornado algum tipo de autômato, cuja chave é você.

Act 4.

Você sabe que eu tive um pingo de esperança? Dar um beijo e partir pra nunca mais voltar a estar preso, pode se tornar real um dia. É muito mais literal do que parece. Vontade de jogar tudo pro ar, poderia ter. Mas e depois? Um dia quero ser como você: suficientemente bom, para não esconder o que sinto. Berra-se em um microfone estourado: "quinze minutos de pausa." Uma pausa para um café, de uma vida inteira. Uma pausa para fechar as cortinas e derrubar todo um cenário mal feito. Por trás da cortina, ergue-se um quarto. Quatro paredes que abrigam uma vida inteira de loucuras, anseios e amores. Quatro paredes que abrigam todo tipo de fantasmas e sonhos.

Act 5.

Ela se levanta da cama, e liga a sua velha televisão de tubo com carcaça em madeira. Realmente, nunca desistiu tão fácil. Senta com força e bagunça seu lençol xadrez, e o mundo começa a girar ao seu redor. Um falso homocentrismo. Na verdade, já está dominada há décadas por uma falsa liberdade. Aquele preto e branco vivíssimo torna a sua novela um tanto atrativa. Sobre o mesmo chão, quebra os lustres do teto, a taça de vinho no criado mudo e o espelho amarelado na parede. Ninguém entenderá o que ela quis dizer com isso, muito menos a tranquilidade em que ela teria ao quebrar tudo ao seu redor. Fim de cena, início de paz.

Act 6.

Nós dois, na praça vazia. Meia noite. Roubo um último beijo, antes da cortina fechar a nossa frente. Ao som de um trovão, a chuva cai sobre nossas cabeças, e a plateia começa a aplaudir.


Just another daydream writing.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Unread Letter - VII

"Afinal, o que mais viria com essa chuva? Sinto uma brisa suave, e velhas memórias vêm à cabeça. O céu fechado lá fora, me deixou um pouco atordoado essa noite. Ver a noite chegar sem estrelas, sem luar, mas com gotas delicadas, e um ar fresco, me traz um sentimento pouco conhecido. Chego a confundir com nostalgia, mas é algo muito pior.

É que na verdade, foram em dias como hoje que vivi belos momentos, em casacos e abraços aconchegantes, palavras doces, e algumas gotas de esperança de viver eternamente ao seu lado. Você poderia estar aqui, quem sabe. E ao invés de escrever algo que você não vai ler, poderia estar contemplando toda a harmonia que há em você, em um intervalo tal qual uma eternidade.

Você sempre soube que eu não gostava de ser o primeiro a partir. Errou ao me deixar escolher se deveria mesmo partir. Entrei naquele ônibus, e ao deixar o terminal senti o pior aperto de minha vida. Eu estava sendo o primeiro a sair. Você sempre soube. O pior de tudo é voltar arrependido, e encontrar a sua casa vazia. Onde estás?

Quem deveria ter medo disso tudo? Eu não havia percebido o seu lindo sorriso, a sua voz doce, e a sua insistência em encontrar algo bom em mim. Não deveria ter acreditado quando disse que era inofensiva, porque agora eu sei que você se tornou muito mais do que isso. E a verdade estava a sua frente o tempo todo.

Amo o lugar de onde estou escrevendo isso. Essas gotas no papel são da chuva que voltou a cair, até aqui na varanda, e esse perfume é o que eu vou usar essa noite, para ficar sentado aqui, e observar aquele casal apaixonado no meio da rua, pensando que poderia ser nós dois. Até mais ver, em um sonho qualquer."


(Unread letters from Joe, 2012)



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

I Was Just Dreaming (Unread Letter - VI)

“...mas Brad, o que é acordar de um sonho com uma sensação estranha? Aquela de arrependimento, por não ter feito diferente. Se tudo foi apenas um sonho, o que haveria de errado em um beijo apaixonado de um amor falso, com o qual se sonhou há dois séculos?

Jurei, é claro, que fugiria de minha própria história. Subiria em um cavalo caro, e faria tudo diferente: uma forma mais aceitável de viver e dominar meus erros. Mas afinal, o que é um sonho? Aquele, do qual se acorda com a sensação de estar sendo consumido por dentro, de um sentimento que mal conhece.

Já provei tudo o que há de assustador nesta vida curta. Diria mais curta, se não estivesse vivo há pouco mais de quatro décadas. Mas afinal, o que é um beijo? E um sonho? Aquele sonho, do qual se acorda com vontade de matar a sede, de gritar, e provar mais um pouco.

O que foi aquilo, amigo? O desespero pela fuga, pelas palavras corretas, pelo amor falso. E nada terminou diferente: em pleno sonho, ninguém em plena consciência fugiria. Não é o meu caso. Mas e o que foi um sonho? Aquela vontade de jogar a última moeda na fonte, a última carta na mesa, e o último copo de vinho garganta abaixo.

E por que não voltar atrás, em última hora? Estava prestes a acordar, e o movimento lá no térreo não permitiu que eu voltasse mais uma vez àquele sonho bom. Mas afinal, Brad: o que é um sonho?”


(Unread letters from Joe, 2012)






quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Fotos na Estante (Short Memories - XI)

Em um certo momento, começo a rever velhas fotos que estão relativamente à mostra em minha sala. Lembro do perfume de cada uma delas, das vozes, dos pássaros, do som das águas ou do tumulto, presente em cada uma delas. Lembro-me do amor que eu sentia em cada uma delas também. Lembro-me do coração quebrado ao partir, e lembro-me da alegria a cada encontro.

"Obrigada por me fazer feliz."

A cada uma delas, volto a um passado distante, uma outra vida muito antes de meu recomeço. As memórias que não foram queimadas ou recortadas ainda estão vivas em velhos retratos, em álbuns empoeirados, ou até mesmo envelopes amarelos no fundo do armário.

O que me atormenta, então, é saber mais uma vez que eu não poderia estar ali novamente, como sempre sonhei, tal qual um efeito borboleta. Não importaria o caos, se dessa vez já soubesse como agir; Se dessa vez não fugisse; Se dessa vez soubesse como amar, e cumprisse a promessa de nunca abandonar.

A essa altura da linearidade dos fatos, metade deles já se foi. Outra parte sequer lembraria o meu nome. Impossível até mesmo entender por que eu ainda não queimei tudo isso. Talvez pela esperança de um dia voltar atrás e errar do mesmo modo, mais uma vez.

(Short Memories, Gabriel Derlan)