quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Got to be Strong.



Tudo parecia ter morrido ao meu redor. Era mais um de seus incontáveis aniversários e eu por algum instante estava adormecido, aguardando o momento em que minha mente seria possuída pelo abismo que suas lembranças me traziam. A cada trago em meu cigarro, via seu rosto naquela fumaça, a ponto de cogitar estar terrivelmente entorpecido.

Você precisa ser forte.

Ora, já eram 6 da manhã, e sequer moribundos encontraria naquela esquina. Mas eu estava lá, à sua espera. Talvez por considerar que, se um dia cheguei a conhece-la, deveria viver o seu inferno para sempre, até meu revés tornar-se sorte e eu tornar-me o seu inferno.

Eu estava errado.

Era tácito e inevitável que todos os meus caminhos me levassem a ela, porque ela continuava a me observar de perto, a me acordar de meus sonhos bons e a me levar a pesadelos terríveis. Foi assim desde o começo. Também, era certo que eu obedeceria a todos os seus insultos, e repetiria, tal qual uma nefasta vingança, os seus feitos, a fim de atingi-la.

Poderia, então, agarrar-me a dois mil santos e decorar onze repetidas preces para tentar afasta-la. Quem sabe, a cada madrugada chutar seu sepulcro e cuspir sobre a sua fotografia e, com a mais alta voz bradar a sua morte, até o momento em que minha mente pudesse tornar esta mentira uma indiscutível realidade. No fundo, sabia que não seria assim.

Tudo parecia estar morto ao meu redor, mas algo não estava normal. Não naquela madrugada. Havia algo que me envolvia no som da sua voz, no toque dos seus lábios, que meticulosa se aconchegava em meus braços, fazendo-me por alguns instantes mover aos lados minha cabeça, a fim de não perder de vista aquela que, de maneira ou outra faria algo para acordar-me daquele sonho bom.

Esta que, de alguma maneira estava sendo mais forte, me levava ao profundo êxtase de uma liberdade da qual, há incontáveis aniversários daquela, não desfrutava. Esta por alguns instantes me levava a acreditar na mentira da morte daquela que, a passos largos, parecia jamais ter me condenado à sua eterna presença em meu inferno.

Fui, como em um sonho, em direção ao meu carro. Parecia pela primeira vez não estar só. Pela primeira vez sentia minhas mentiras tornar-se reais, e meu medo um mero pretexto para não fugir.
Olho para seus olhos que me sorriem, e pergunto:

- Para onde vamos, desta vez?