Tudo parecia ter morrido ao meu redor. Era mais um de seus incontáveis
aniversários e eu por algum instante estava adormecido, aguardando o momento em
que minha mente seria possuída pelo abismo que suas lembranças me traziam. A
cada trago em meu cigarro, via seu rosto naquela fumaça, a ponto de cogitar
estar terrivelmente entorpecido.
Você precisa ser forte.
Ora, já eram 6 da manhã, e sequer moribundos encontraria
naquela esquina. Mas eu estava lá, à sua espera. Talvez por considerar que, se
um dia cheguei a conhece-la, deveria viver o seu inferno para sempre, até meu
revés tornar-se sorte e eu tornar-me o seu inferno.
Eu estava errado.
Era tácito e inevitável que todos os meus caminhos me
levassem a ela, porque ela continuava a me observar de perto, a me acordar de
meus sonhos bons e a me levar a pesadelos terríveis. Foi assim desde o começo.
Também, era certo que eu obedeceria a todos os seus insultos, e repetiria, tal
qual uma nefasta vingança, os seus feitos, a fim de atingi-la.
Poderia, então, agarrar-me a dois mil santos e decorar onze
repetidas preces para tentar afasta-la. Quem sabe, a cada madrugada chutar seu
sepulcro e cuspir sobre a sua fotografia e, com a mais alta voz bradar a sua
morte, até o momento em que minha mente pudesse tornar esta mentira uma
indiscutível realidade. No fundo, sabia que não seria assim.
Tudo parecia estar morto ao meu redor, mas algo não estava
normal. Não naquela madrugada. Havia algo que me envolvia no som da sua voz, no
toque dos seus lábios, que meticulosa se aconchegava em meus braços, fazendo-me
por alguns instantes mover aos lados minha cabeça, a fim de não perder de vista
aquela que, de maneira ou outra faria algo para acordar-me daquele sonho bom.
Esta que, de alguma maneira estava sendo mais forte, me
levava ao profundo êxtase de uma liberdade da qual, há incontáveis aniversários
daquela, não desfrutava. Esta por alguns instantes me levava a acreditar na
mentira da morte daquela que, a passos largos, parecia jamais ter me condenado
à sua eterna presença em meu inferno.
Fui, como em um sonho, em direção ao meu carro. Parecia pela
primeira vez não estar só. Pela primeira vez sentia minhas mentiras tornar-se
reais, e meu medo um mero pretexto para não fugir.
Olho para seus olhos que me sorriem, e pergunto:
- Para onde vamos, desta vez?