sábado, 13 de dezembro de 2014

Você Conhece Perugia? (Short Memories - XXI)



"Meia entrada, meio copo, meia verdade. Eu sempre soube que poderia de qualquer modo esconder o que eu queria que você nunca descobrisse. Mas as cartas te mostraram o contrário em um maldito Tarô. As cartas te mostram uma meia vida, uma meia fatia, meia alegria. Aquela, de escapar da tua indiferença quando os ventos não sopravam ao nosso favor. Insisto em afirmar que o meu céu quando te vejo é âmbar com nuvens que coalescem ao horizonte, e que o meu sonho de conhecer a Itália é um devaneio qualquer. Mas já não há o que mudar em nossa história sem fim: Você já sabia a verdade."

(Short Memories, Gabriel Derlan)



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Brother from Mbabane & Lobamba (Short Memories - XX)



"O que aconteceu por aqui?

Ouço um estalo e um ranger a cada volta dos meus olhos em um rosto tão desconsertante. Meu coração está a mil e ela só diz: "- Pare com isso, você está se matando!". O fôlego já é uma lembrança quando o sangue corre de dentro de mim pelo meu nariz e minha boca. Tudo isso em uma hemorragia de sentimentos que vêm a tona junto a lembranças que nunca existiram. Impossível? Deveria ser, mas a mente não foi alvo de metanoia, mas sim paranoia, em diálogos, abraços e sorrisos distantes do que deveria ser real.

Eu vi um coração naquela página rasgada - ou dezenas deles.

Senti um perfume naquele guardanapo. Vi uma pegada de um estranho no pátio que é só meu. Percebi alguém pisoteando o jardim que trato com zelo como se fosse a minha alma em contato com a terra vermelha sendo massacrada. Eu vi um abutre caminhando após mim em um deserto sem beira, esperando a minha morte para carregar minha alma ao quinto dos infernos. Mal sabe que já estou guardado há mais de dois mil anos!

E quando enfim admito ter exagerado na dose de cuidado, vem a bradicardia com um sorriso vergonhoso que me mata aos poucos. Me mata de medo de ter perdido o meu amor. Me mata de vergonha por ter desconfiado daquele bilhete inocente. Era só um coração - ou dezenas deles - que eu queria esfaquear e dar aos tigres. Era só outro velho bêbado, que soltava fumaça de tabaco pelas orelhas.

Aos poucos então o sangue para de escorrer. Volto a ter cor. Disfarço toda essa loucura em uma história qualquer, e me preparo para essa overdose da morte que me cerca, outra vez."

(Short Memories, Gabriel Derlan)



segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Sherlock Holmes Como Testemunha (Short Memories - XIX)



Era o nosso fim.

Em uma noite fria com uma brisa seca, suave e sutil, eu estava caminhando para o último adeus. Era algo que queria outrora, em outra volta de meus ciclos. Porém, saber que nunca mais veria aqueles olhos que sorriam para mim a cada encontro já estava arrancando pedaços de mim. Na verdade, já não sabia o que queria.

Era uma velha história traduzida em um amor cruel. As diferenças nos separavam aos poucos por verdadeiros precipícios. Ao menos, as horas boas compensavam os segundos de morte que diariamente me cercavam. Seria um bom motivo para dizer adeus?

Ao vê-la caminhando em minha direção naquela praça, ao som de uma música qualquer em tom menor, que cantava nossas vidas apaixonadas de forma tão controversa, tinha certeza de que não era tempo para fugir. Mas era exatamente o que estava fazendo. 

O que faz alguém abandonar algo que ainda não está ao seu gosto? Se ainda não causou suficiente entusiasmo em estar na presença do outro para fazê-lo sorrir o mais belo sorriso, e ouvi-lo dizer as mais belas palavras de amor, para que desistir?

Eu disse adeus mesmo sabendo que não deveria fazê-lo. Metade de mim caminhava em um vestido negro agora em um sentido oposto, cabisbaixo, tentando entender o que me motivou a manter-me nos trilhos. Afinal, era o que o mundo todo queria: que eu ficasse nos trilhos. 

Em um súbito desatino, acelerei o passo para agarrar seu braço e dizer que tudo não passava de mentira, loucura. Foi aí que toda a minha história saiu dos trilhos e percebi que a única maneira de sentir o seu coração, era tê-lo dentro de mim. 

Tal qual um choque foi o meu despertar em minha cama naquela noite. Um banho de águas frias na correnteza de um rio que estava no fundo do precipício, e que me dava a chance de escolher um novo caminho. Mas meus segredos insondáveis estavam presos no peito daquela dama que em minha lembrança já não caminhava em minha direção. Mas teria sido um sonho, ou um devaneio?

De algo eu tinha certeza: era o nosso fim que se aproximava a cada dia. Era o nosso fim que dava as caras a cada remendo. Era o conta-gotas de um veneno qualquer que nos fazia apertar o passo a cada dia, estando o travesseiro ao lado ocupado ou não.

Mesmo sendo testemunha de todos esses crimes, Sherlock Holmes não teve suficiente coragem de fugir de seus livros para elucidá-los. 

Era, de fato, o nosso fim.

(Short Memories, Gabriel Derlan)


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

The Moon & The Cops



Estava sóbrio ontem a noite. No caminho de volta não sabia mais onde sentar naquele bonde. Chego em casa, subo as escadas tateando as paredes e ao abrir minha porta mais uma vez te encontro com suas algemas, e a faca mais afiada que encontrou em sua coleção. Pela porta entreaberta de nossa pequena varanda entra a luz da lua - um tormento. Ela reflete em nosso chão de taco mal-lustrado, e se espalha na penumbra de nossa sala de estar. Talvez exista algo pior que estar sozinho aqui. Sirvo duas taças de vinho, e tão logo a primeira parte desce pela garganta, você começa a matar-me aos poucos. 

Não chame a polícia.

Não consigo entender como meus pulsos vão ao encontro de suas algemas. Mal percebo o meu corpo caminhar pelo apartamento escuro e esbarrar em uma corda preparada exclusivamente para mim. Não resisto. É minha única chance de fazê-la feliz. É o que sempre quis para mim: Este amor verdadeiro.

Me mata aos poucos, gota a gota, trago a trago.
Me mata aos poucos, fio a fio.
Me mata aos poucos, dente a dente.

O vento frio que entra pela janela faz minha velha cortina se movimentar. É alguém a caminho. São passos de uma sola de bota de couro no corredor. São chaves que balançam em um bolso de calça. É uma cadeira que se arrasta, com alguém prestes a levantar-se. São teclas de uma máquina de escrever. É tudo mera ilusão. O vinho acaba, e tento manter-me lúcido, vendo meu sangue escuro escorrer todo ao chão. A luz da lua me cega, e penso que é hora de dar a volta, descer as escadas, e tentar encontrar os meus óculos no térreo, na avenida, seja onde for. Ainda há tempo, quem sabe. Chame a lua, não a polícia. Chame, antes que a chuva venha, ou antes que o sol nasça. Antes que tudo suba, ou vá ao chão.

Tudo devagar, segundo a segundo. Tudo aos poucos, como a fumaça de um trago.



sábado, 5 de julho de 2014

O Dobro



Duas noites.
Duas ruas.
Duas gotas de chuva.
Dois passos.
Dois versos.
Dois amores.
Dois colares.
Duas palavras.
Duas vidas, quem sabe.
Duas desculpas.
Duas fugas.
Dois fugazes.
Dois beijos.
Duas estradas.
Dois pátios.
Duas cartas.
Duas chamadas.
Duas chances.
Dois sorrisos.
Duas entradas para o melhor show.
Duas idas para casa.
Dois abraços.
Duas gotas da mais pura felicidade.
Duas felicidades.
Duas saudades.
Dois cuidados.
Dois apegos.
Dois apertos.
Dois afagos.
Duas horas para partir.
Duas vezes. 
Dois adictos.
Dois anos.
Dois recomeços.
Dois partos.
Duas almas.
Dois céus.
Duas preces.
Dois Adeuses.

Duas xícaras de café, por gentileza.




quinta-feira, 26 de junho de 2014

Short Memories - XVIII




Estou me sentindo estranho. Sempre estive, mas nunca percebi realmente. Já sentiu cheiro de nostalgia? Não sei explicar como é. Mas é um perfume que eu não estou sentindo de verdade ou respirando. Na verdade, não sei explicar! Não é como aquele cheiro de hospital que o toma às vezes. A sensação é nostálgica. A sensação me mata um pouco e aos poucos. Mas ela é boa! Quem me entende? Tem quem suspeite, e diga que entende. Mas rapaz, ninguém entende de verdade. Tampouco eu! Quem nos entende? Talvez seja muito fácil nos entender. Tão fácil que ninguém pensou em usar a forma correta. Quando o leio, fico meio com receio das minhas conversas. Céus, eu sou um lunático! Não lembro quando comecei com isso. Em uma noite qualquer, chuvosa como essa, com perfume de adeus com nostalgia. Mas no final das contas, a gente sabe que não vai acabar.

(Short Memories, Gabriel Derlan)


terça-feira, 17 de junho de 2014

Devaneios, Entrelinhas (Short Memories - XVII)



"Está pronto. Ao terminar o disco, ouço tudo novamente em busca de tropeços, enquanto meu corpo não chega à beira mar. E fujo todos os dias para lá, e releio doze vezes a mesma história. É um destino traçado que muda todos os dias, e me faz voltar à tona. O inverno voltando é um perfume de qualquer coisa épica que se repete ano após ano, na janela de meu quarto aberta. É cheiro de rua, de fuga, de amor mal escrito. É fraqueza, tremor, síncope. São mil e um parágrafos de devaneios mimetizados por um sorriso, um tapa, um adeus, um piscar de olhos. Subir em uma escada de vitrine, e sentir-se gigantesco. Jogar os cabelos em trevas ao lado, em chamas, em um olhar. Inseguro não segura, e seguro se faz livre. E livre se ama muito mais. Uma história velha reescrita, em menos de dez cartas à pessoa amada. Tão baixo, vil. Um coração batendo desigual. Mais de dezesseis mil dias na tentativa de fazer valer a pena. De fazer valer um dia. Uma simples corrida, a fim de merecer a volta pra casa. Um dia tudo sai dos trilhos, eu prometo."

(Short Memories, Gabriel Derlan)




quinta-feira, 5 de junho de 2014

Taciturno



Subindo os quarenta e quatro andares com o almoço nas mãos. Não gosto muito de usar o elevador. As escadarias dão um pouco de vida à minha imaginação (estar solitário também traz boas ideias à memória). Esperava encontrar-me com outra coisa, mas tudo o que trago nas mãos é uma xícara de café. Este por sorte é um vício que eu influencio aos meus fantasmas mas que não abandono. É bom recusar o exemplo de muitos outros que me deram vida. Fiz com que tornassem adictos de tantas coisas, para depois eu perceber que tudo aquilo era deveras passageiro.

Taciturno. Foi assim que me chamou. Lembro-me daquele almoço como de qualquer outro: sentados à mesa como amigos, ou algo pior. Eu era apenas algo alheio, por não comparecer às suas festas, brincadeiras, costumes, vidas. Por falta de convite, talvez. Quem sabe, fosse por eu preferir subir as escadas. Mas as escadas são um esforço desnecessário para eles, algo que só um perfeito imbecil faria. A partir do momento em que tornei-me inútil, sem serventia alguma, aqui estou: subindo meus quarenta e quatro andares tal qual um taciturno, pensativo, e com minha xícara de café.

Parece relativamente fácil caminhar degrau a degrau. Mas quando passo do quarto piso, as escadarias tornam-se sombrias. Poderia detestar estas lâmpadas queimadas ou essas teias de aranha, mas não acredito que seria pior do que uma dose de cianureto na vida. Não mandaria prendê-la no amanhecer, mas não correria novamente. Não seria alvo de uma mentira mal feita. Quem sabe, uma propaganda mal feita?! Tudo ficou nessa situação porque ninguém quis dar-se ao esforço de continuar pelas escadas depois deste piso, nem mesmo os que recebem fortunas para zelar por tudo isso aqui. Pelo menos em um incêndio não estarei sozinho aqui: Eles vão precisar utilizar as escadas!

Qual será a chance, então, de queimá-la?

Vivendo em um mundo só meu, tentando levar-me para casa. Apenas um só. E só. Ouvir aquela voz me traz boas lembranças. Lembrar daquela voz em minha memória me deixa dopado por um instante, ou dois. Olhar para os degraus abaixo me dá uma séria vontade de descer e pegar outra xícara de café.




quinta-feira, 22 de maio de 2014

Presente, Abraço, o Mesmo



Leve um casaco com você, minha filha. Quem sabe faça frio por lá. Não volte tarde, e cuide-se com seus amigos por aí. Divirta-se e tire fotos por lá. Mamãe ama você, não esquece. Sua irmã não vai hoje, tudo bem?

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Naquela noite eu não fui seu par. Mas estava gloriosa em um vestido preto e comprido. Era algo comportado que escondia sua ira com tudo ao redor. Não sabia o que a desapontava. Buscava saber, mas era inacessível. É tarde.

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Eu disse a ela: não vá hoje, meu amor. Poderíamos aproveitar a virada da noite com um filme ou outra coisa qualquer. Uma bebida quente, um cobertor aconchegante, só nós dois. Que Deus a proteja.

Minha querida, não se sabe o dia de amanhã. Ainda há tempo para voltar. O eterno Pai te espera de braços abertos, porque sempre te amou antes de que você nascesse. Você é importante para todos nós, nunca esqueça.

Você vai no sábado a noite? Será incrível, in-crí-vel. Não há nada melhor do que tomarmos um porre, e virarmos a noite aos risos e às festas. A vida é curta e precisamos aproveitá-la ao máximo! Venha conosco, não vai se arrepender!

Senti um aperto no meu peito. Ao mesmo tempo em que tinha vontade de estar com eles, sabia que por algum motivo deveria ficar em casa naquela noite.

-

Sabe, minha amiga. Não esquece do Pai. Ele te ama, e quer cuidar de você. Não há prazer tão grande como estar segundo a vontade dele. Você conhece a verdade: não se deixe influenciar pela mentira!

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A culpa não é da estrada. A culpa não é dos deuses. A culpa não é de Deus. Todos dançaram sobre uma imensa poça de sangue, mas ninguém assumiu a culpa de arrastá-la para a luz, para as árvores, para o chão.

Todos enfileirados a um último adeus em um rosto já sem forma. Tão bela e tão frágil. Nem todos quiseram ou puderam estar lá. Haviam os que estavam em leitos de hospital. Haviam os que ainda não haviam acordado de um pesadelo ruim. E outros como o velho Joe, que preferiam não dar o último adeus, para que a vida estivesse ilusoriamente eterna enquanto sua memória estivesse sã.

Descanse em Paz.

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terça-feira, 20 de maio de 2014

The Cross



Pai nosso que estás no céu e também aqui. Jurava ser a primeira opção a mais longínqua, té que me deparei com suas marcas na areia ao lado de meus próprios passos quando ninguém mais estava ao meu redor. Não retire seu olhar de perto de mim, pois já não consigo dissociar sua presença de meus dias de céu azul e bonança.

Santificado seja o vosso nome, tal qual o meu está borrado da mais suja lama. Quem sou eu para que alguém como tu esteja por perto? Sinto-me pequeno com a sua grandeza. Mas isso é um motivo a mais para sentir-me descansado e contente em ser um pote de barro sem valor algum, que transporta o Seu ouro.

Venha a nós o teu Reino, ou tire-me logo daqui. Já cansei de tantas vezes que insisti em estar longe, tão longe. Que um dia eu possa ser suficientemente sábio a ponto de viver o teu reino aqui, e não esperar a morte chegar para então ter a pretensão de estar contigo por mil anos.

Seja feita a vossa vontade, e nunca mais a minha. Aquelas poças de sangue nas quais dancei já não fazem tanto efeito em minhas noites de festa. Não entendo como tantas vezes te culpei pelas minhas próprias falhas. Se quem amávamos partiu por nossas próprias influências, não foi tua vontade. Que a minha vontade esteja morta, para que ninguém mais se vá por minha culpa.

Assim na terra como no céu eu sinto tuas mãos gigantescas e cuidadosas mudando as coisas de lugar. Temporais inoportunos que deixam o meu céu em preto e branco não são mera coincidência de minhas loucuras. O pôr do sol alaranjado em fusão com tantas outras cores ao fim de uma tempestade que durou a vida toda também não é um mero devaneio ao qual me dedico descrever aqui. 

O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Mas tudo o que vem de ti é muito além do que eu já pude vislumbrar até aqui. Sinto que o vazio outrora presente, foi embora quando você me abraçou. A minha fome por um aconchego é aliviada a cada vez que te encontro por aqui. Quando penso que estás longe, você vem e me abraça forte como um pai, como um bom pai.

Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos os que nos ofendem. Tal qual uma criança eu tropeço a cada novo degrau. Mesmo sabendo que posso ficar cheio de marcas no final das contas, eu não consigo ficar em pé. Sei muito bem que você não quer que estejamos cheios de lama, mas insisto: perdoa-nos. Admito que apesar das tentativas de parecermos monstruosamente grandes e fortes, somos pequenos e falhos.

Não nos deixe cair em tentação, pois a dor é imensa. Melhor seria se caíssemos em um vale de espinhos, ou em uma imensa caixa de pregos. Quando o erro me cativa, minha culpa me corrói. Peço seu colo, mas a dor custa a  passar. Não por tua vontade, mas por consequência de minhas teimosias, de meus instintos.

Livra-nos do mal, para que tenhamos mais tempo contigo. Sei que desde que te conheci, não ando mais sozinho. Você e muitos outros abaixo de ti estão ao meu redor. Sei também que há outro, como um leão que ruge rodeando este cerco de muros altíssimos. Ele quer me devorar, mas sabe que o seu amor por mim é grande mesmo antes de eu estar aqui. 

Teu é o Reino e acima de ti não há nenhum outro. Somos pequenos e andamos na palma de sua mão, e temos tudo o que vem de ti. Nada nos falta se o nosso rei estiver presente. Tua é a honra, e a ti no tempo certo, no fim da cegueira, todos se dobrarão. Ainda não posso te ver, mas sinto o seu coração bater e o seu perfume envolver esta sala vazia quando estou sozinho.

O poder incorruptível vem de onde tu estás, e não há nada que poderá separá-lo de ti. O poder dos homens está sendo disputado por guerras e sangue. Me pergunto: poderão algum dia unir-se a fim de tentar vencê-lo? Nem mil legiões de homens e demônios poderão te tirar de onde estás. 

A glória que flui de teu corpo é mais forte do que os meus olhos podem ver. Se olhar para ti enquanto for homem ficarei cego, arderei em chamas, e virarei um pó. Conto segundo após segundo o tempo que falta para estarmos juntos para todo o sempre. Quero estar lá, juntamente com todos os outros que se curvarão  perante a tua face e te dirão o que tu realmente és.

Para todo o sempre quero estar com você, para que meus dias sejam bons. Também, para que eu sinta o que é amar e ser amado verdadeiramente. Para que eu sinta você nos meus dias de céu azul e nos raios da mais severa tempestade. Não tardes por vir, porque até mesmo as pedras já pedem por sua volta. Não se afaste de mim, pois já não sei dar um passo sequer sem você ao meu lado, e também dentro de mim.

Amém.

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sábado, 17 de maio de 2014

A Vida em Menos de Cinco Segundos e um Bilhete não Lido na Gaveta da Escrivaninha (Unread Letter - IX)



"Ah, meu amigo... No fim das contas, você sabia que nunca daria certo. Aquela ultrapassagem em curvas contra o sol era um pedido de joelhos para destracionar a sua vida. O que seria capaz de fazer para pôr tudo no lugar novamente? Eu arrisco três palpites. Na primeira das hipóteses, você tenta dar tudo de si, e pisa fundo. Não importa se a sua energia vai acabar, ou se você vai desgastar. É o que todo mundo acaba fazendo, com o pé firme para não cair. Se der a volta por cima, é possível dar um sorriso sincero sem maiores esforços outra vez. Mas os mais sonhadores acreditam que se pode voltar atrás. É estranho pensar em dar uma freada brusca em plena curva para voltar à situação anterior, mesmo estando apenas com meio caminho andado. Gente realista chamaria isso de atitude imbecil. Em última - ou na pior - das hipóteses, você poderia colidir com o outro. Não se sabe o que está vindo ao seu encontro, naturalmente. Mas te garanto: pode ser bem maior que você.
Meu caro, não sei como não percebeu que foi muito rápido. Se fosses um cavalo, estaria morto. Apenas te digo que não precisa se machucar por inteiro para perceber que está na hora de consertar as coisas. Tento imaginar o quão difícil é remoer solitariamente as situações velhas. Sei que o que lembras - ou até encontras em seus arquivos bolorentos - não é coisa para outras pessoas ficarem sabendo mais uma vez. Ninguém se importa (Muito menos com os nomes meio parecidos, que lhe remontam ao inferno). Apenas digo: Escolha bem o seu caminho. Se for adiante, saiba que possivelmente terminará as suas férias sozinho. Se desistir no meio do caminho, talvez seja tarde. Não pense demais, porque não quero que voltes logo para casa (Não nesta noite).
Até mais ver, e um singelo abraço de amigo."

(Unread letters from Joe, 2011)





quarta-feira, 14 de maio de 2014

Café (Short Memories - XVI)



Nada como voltar no tempo, através de velhas cartas. Pode demorar uma eternidade para tudo ficar pronto, é claro. Esse café demorou mais de um ano para ficar palatável! E hoje a mesa está farta. Sentimentos e lembranças boas à mesa. Grama verde, livros grandes de geografia e história e um apetitoso pão de batata. Faz sentido apenas para quem sente. 

Nada como voltar no tempo através daquele perfume. Algo como curiosa, intrigante, ou secreta. Embriaguez ou entorpecência qualquer me faria sentir tão bem quanto me senti naquele abraço, naquela lembrança, que não escrevi sozinho.

Nada é qualquer. O perfume, a avenida, aquele abraço, aquele sonho, o aperto mortal, o pão de batata - pra que tanto insistir? - o café quente, forte e com pouco açúcar. Sequer o lugar foi qualquer. Longe, no passado ou no futuro. Todos já sabiam no que um devaneio desses poderia resultar. Não importa.

Nada como saber que não estou só, e que quem me dá o prazer de sua presença também veio para o café. Não andamos mais de bicicleta atrás de pessoas perdidas, ou a pé após musicalizarmos uma vida em preto e branco com compositores que sequer imaginamos conhecer, ou escondidos de todos para fugir de nossos fantasmas. Mas conseguimos voltar ao passado, e hoje isso é o que mais importa.

(Short Memories, Gabriel Derlan)



sexta-feira, 9 de maio de 2014

Alpargatas (Short Memories - XV)



Na porta de meu apartamento, um par de belas alpargatas 35. Algo fino, diferente. Tentei fazer com que passassem desapercebidas, mas acabei por tropeçar, e tombar. Malditas alpargatas azuis! Foram amor à primeira vista na véspera de minha fuga. Poderiam ter marcado muito menos do que meu nariz com o canto da estante em frente à porta. Ao contrário, me renderam boas memórias, o que não julgo bom quando não se pode voltar. Mas elas me dão a chance, ao menos de guardá-las para lembrar de vez em quando que elas não se importam nem um pouco. Elas são alpargatas e alpargatas não pensam. Pode até ter sido feitiço aquilo parar à minha porta num tempo em que eu realmente precisava encontrá-las enquanto tentava me esconder em uma solidão pretensiosa. Hoje em dia, abro aquela velha sapateira a fim de espiá-las por alguns instantes. Maldito par de alpargatas: mal lembram de mim! Talvez porque brinquei de um faz de conta egoísta, e a escondi lá no fundo para que o mundo todo não pensasse que a roubei só para mim. Quando a escondi o coração apertou, e lá no fundo alguma lágrima deve ter ousado se formar no meio de tanto medo e ansiedade. Sejam felizes, sendo apenas uma lembrança boa, alpargatas.

(Short Memories, Gabriel Derlan)




sábado, 5 de abril de 2014

Let This Remain (Unread Letter - VIII)




Olhos verdes, sangue de leão, 
um coração enorme. Duvidaria de sua existência se a conhecesse apenas por ouvir falar. Quero estar contigo para sempre, rainha. O tempo é o meu pior inimigo, quando vejo que os dias se passam, e a cada dia perco muito tempo longe de você. Vejo meu mundo escorrer entre os meus dedos, meu coração batendo desigual, meu sol menos claro. Tudo o que eu queria era poder provar que poderia ser um bom homem, sem precisar me afastar. Longe do meu forte, sinto-me só, e me desvaneço a cada dia. 

Obrigado por me dar o mundo todo, devo tudo a você. Mas peço, não vá daqui. Queria ir primeiro, para não ter eternamente este aperto em meu peito quando lembro que um dia até eu mesmo terei de enfrentar a morte e perder, pois sei que minhas armas são fracas demais para algo tão grande.

Penso com meus botões, que se algum dia puder, darei a você meu coração, como justiça às nossas guerras. Prefiro mil vezes bater dentro de seu peito, do que viver um segundo longe. Não serei o seu herói, para dar algo em troca de tudo o que recebi.

Sei que falhei em muitos passos, e que muitas vezes não pude consolá-la quando você chorou. Prometo em vida ou morto, que vingaremos cada lágrima desperdiçada, cada esforço em vão, cada sorriso perdido. Um dia, minha rainha, ficará tudo bem. Posso não estar por perto nesse dia, mas saiba que este será o fim de minha corrida. Sempre te amarei, e farei com que você veja que eu poderei me tornar um bom homem.

Com amor,
Fiel.
(Unread letters from Joe, 2011)



segunda-feira, 31 de março de 2014

Where Are You Now? (Short Memories - XIV)


Eles todos tinham razão. Desde o nascer do sol até a hora em que ele se põe trazendo esse vazio imenso, tenho pensado nisso. Olhando o reflexo dos faróis dos carros - que gradativamente se acendem com o cair da noite – no asfalto molhado desta avenida, lembro quantas vezes eu neguei os rumores de que estaria apaixonado por você. Via o seu sorriso e era devorado e morto aos poucos por tanta doçura. Ouvia a sua voz e viajava por diversos mundos que não o meu, pois era o que mais me fazia feliz. Mantinha-me firme em minha estupidez, resistindo ao amor que todos eles diziam que você tinha por mim. Eles tinham toda a razão: eu de fato estava louco por você! Correr por horas nas estradas tortuosas até encontrar sua casa era o que eu mais amava fazer. Por um pretexto qualquer, te visitava e me despedia com dor e culpa, porque a minha real vontade era nunca mais deixa-la só. Você tinha razão em seus jogos de sorte, ao planejar apostar pelo menos uma carta boa em mim. Eles estavam certos: eu amava você como ninguém mais o faria, acredite. Um amor tão grande e intenso e verdadeiro que seria capaz de me convencer a deixa-la ir, pelo simples fato de a sua felicidade ser o suficiente para me fazer feliz.

(Short Memories, Gabriel Derlan)


quinta-feira, 27 de março de 2014

Sweet Home (Short Memories - XIII)


Ainda não estou pronto, tenho certeza disso. Caído neste chão frio, começo a desesperar-me com todos esses ao meu redor. Meus olhos verdes insistem em já não resistir ao peso, e minhas pálpebras começam a cair. Não quero voltar pra casa, não agora! Pelas minhas contas, preciso viver mais três vezes. Ainda não estou pronto para ceder a toda esta fibrilação em meu peito. O que vem depois disso? O que vem depois da  luz no fim do túnel, dos homens de jaleco branco, o que vem depois da porta do meu lar? O que me tornei, doce amigo? Hoje já sei que todos que eu conheço vão embora, no final. No final das contas, eu vou te desapontar. Eu farei você sofrer, por não ter cumprido a promessa de viver para sempre. Por ter olhado para você com olhos grandes de medo, mas no fim das contas, ter mentido em dizer que eu estaria satisfeito em partir. Hoje eu já sei o quão pesada é a diferença entre a morte e a vida. A cada minuto que passa estou me preparando para sair. Eu falei hoje ao meu futuro, e disse que estou indo embora. Mas ainda não cantei a última linha em minha música. Eu não estou pronto pra deitar, não estou pronto pra sumir. Eu não estou pronto para voltar para casa. Não gosto de ser o primeiro a sair - jamais gostei. Se eu pudesse começar de novo a milhões de milhas daqui, eu me salvaria. Eu encontraria um jeito de ser o seu herói mais uma vez. De correr por aquelas campinas ao seu lado, e ao final da tarde ver o pôr do sol sentado sobre uma daquelas montanhas - uma montanha qualquer. Ainda não estou pronto, sei que não. Haveria para mim uma cura, um recomeço? 

(Short Memories, Gabriel Derlan)




sábado, 8 de março de 2014

Straight Down (Short Memories - XII)



Entre sem bater. Pise não tão sorrateiramente em meu tapete de boas vindas e tome posse do que é seu por aqui. Você sabe que te esperei há séculos. Me embriague. Não poderia dizer que não me conhece tão bem se não soubesse meu maior vício. Tudo isso já é mais forte do que eu, e do que toda aquela vontade passageira: aquele desejo de resistir. Seria como resistir ao prazer de correr pelo que se anseia. Resistir ao ponteiro que sobe, às curvas cada vez mais envolventes e à pressão de todo o corpo no encosto. Entre sem bater, e fora de hora. Você já sabe muito bem como me surpreender com seus encantos, me domar, e me matar aos poucos. Me mate de vontade, saudade, amor. Entre devagar, passo a passo, enquanto a cidade toda estiver dormindo. Quero, enfim, acariciar teu rosto, viajar em seu sorriso, e dopar-me com seu perfume ímpar. Entre sem bater, e seja um sonho bom e real, passo após passo. 

(Short Memories, Gabriel Derlan)


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A Fool Theater.


As cortinas se abrem, ao som de passos fortes em um velho chão de madeira.

Act 1.

Eu preciso ser trancado em um quarto escuro com muitos fantasmas, um velho piano e você. São minhas fugas prediletas. Já convivo há séculos com meus piores pesadelos que me deixaram de olhos abertos até agora, mas a sua voz e o som de um piano fazem meu coração ter paz. Mas sei que nada disso é para sempre. Começo a tocar algo sem sentido, e você sorri para mim. As luzes se apagam.

Act 2.

As luzes se acendem, eu saio pelos fundos e sento ao camarote. Me escondo no meio da plateia que assiste ao show de um falso normal. Afinal, qual meu verdadeiro esconderijo? Assassinar a própria vontade e comprar a felicidade alheia não deveria ser o meu forte. Mas eu caí. Já teve medo de uma resposta, de um não? De ficar no escuro, de ser deixado de lado, e de ter compreendido mal uma forma de amar?  A essa altura já tenho que esquecer muita coisa. Tudo o que eu queria agora é traduzi-la em realidade, ao menos por alguns minutos. O cenário permanece vazio, e é isso o que eu quero mostrar: um teatro tolo e vazio.

Act 3.

Às quatro da manhã eu estaciono em frente à sua casa, e por ali eu durmo. Tudo o que eu quero é ver o nascer do sol do banco de meu carro, em frente a sua casa, para ter certeza de que aquele espetáculo todo não é você. Você me faz tão bem, que já tenho medo de estar correndo ao seu redor e me queimar mais uma vez, e derreter, e virar pó. Quando é que você finalmente vai me tirar daqui? Pelas cortinas da coxia, te vejo passar sorrateiramente, aguardando a sua entrada ideal. Não vale a pena desmascarar tudo o que já se sabe: você é o próprio sol, e é por isso que quando te vejo disfarçada de mulher, já são mais de duas da manhã. Você pula de trás do palco, e todo o teto de meu cenário pobre torna-se rosado, alaranjado, um verdadeiro espetáculo. Na verdade, eu deveria mesmo admitir que quem trouxe toda a graça ao elenco foi você. E deveria admitir que hoje, sem você, não chegaria a lugar algum. Devo ter me tornado algum tipo de autômato, cuja chave é você.

Act 4.

Você sabe que eu tive um pingo de esperança? Dar um beijo e partir pra nunca mais voltar a estar preso, pode se tornar real um dia. É muito mais literal do que parece. Vontade de jogar tudo pro ar, poderia ter. Mas e depois? Um dia quero ser como você: suficientemente bom, para não esconder o que sinto. Berra-se em um microfone estourado: "quinze minutos de pausa." Uma pausa para um café, de uma vida inteira. Uma pausa para fechar as cortinas e derrubar todo um cenário mal feito. Por trás da cortina, ergue-se um quarto. Quatro paredes que abrigam uma vida inteira de loucuras, anseios e amores. Quatro paredes que abrigam todo tipo de fantasmas e sonhos.

Act 5.

Ela se levanta da cama, e liga a sua velha televisão de tubo com carcaça em madeira. Realmente, nunca desistiu tão fácil. Senta com força e bagunça seu lençol xadrez, e o mundo começa a girar ao seu redor. Um falso homocentrismo. Na verdade, já está dominada há décadas por uma falsa liberdade. Aquele preto e branco vivíssimo torna a sua novela um tanto atrativa. Sobre o mesmo chão, quebra os lustres do teto, a taça de vinho no criado mudo e o espelho amarelado na parede. Ninguém entenderá o que ela quis dizer com isso, muito menos a tranquilidade em que ela teria ao quebrar tudo ao seu redor. Fim de cena, início de paz.

Act 6.

Nós dois, na praça vazia. Meia noite. Roubo um último beijo, antes da cortina fechar a nossa frente. Ao som de um trovão, a chuva cai sobre nossas cabeças, e a plateia começa a aplaudir.


Just another daydream writing.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Unread Letter - VII

"Afinal, o que mais viria com essa chuva? Sinto uma brisa suave, e velhas memórias vêm à cabeça. O céu fechado lá fora, me deixou um pouco atordoado essa noite. Ver a noite chegar sem estrelas, sem luar, mas com gotas delicadas, e um ar fresco, me traz um sentimento pouco conhecido. Chego a confundir com nostalgia, mas é algo muito pior.

É que na verdade, foram em dias como hoje que vivi belos momentos, em casacos e abraços aconchegantes, palavras doces, e algumas gotas de esperança de viver eternamente ao seu lado. Você poderia estar aqui, quem sabe. E ao invés de escrever algo que você não vai ler, poderia estar contemplando toda a harmonia que há em você, em um intervalo tal qual uma eternidade.

Você sempre soube que eu não gostava de ser o primeiro a partir. Errou ao me deixar escolher se deveria mesmo partir. Entrei naquele ônibus, e ao deixar o terminal senti o pior aperto de minha vida. Eu estava sendo o primeiro a sair. Você sempre soube. O pior de tudo é voltar arrependido, e encontrar a sua casa vazia. Onde estás?

Quem deveria ter medo disso tudo? Eu não havia percebido o seu lindo sorriso, a sua voz doce, e a sua insistência em encontrar algo bom em mim. Não deveria ter acreditado quando disse que era inofensiva, porque agora eu sei que você se tornou muito mais do que isso. E a verdade estava a sua frente o tempo todo.

Amo o lugar de onde estou escrevendo isso. Essas gotas no papel são da chuva que voltou a cair, até aqui na varanda, e esse perfume é o que eu vou usar essa noite, para ficar sentado aqui, e observar aquele casal apaixonado no meio da rua, pensando que poderia ser nós dois. Até mais ver, em um sonho qualquer."


(Unread letters from Joe, 2012)



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

I Was Just Dreaming (Unread Letter - VI)

“...mas Brad, o que é acordar de um sonho com uma sensação estranha? Aquela de arrependimento, por não ter feito diferente. Se tudo foi apenas um sonho, o que haveria de errado em um beijo apaixonado de um amor falso, com o qual se sonhou há dois séculos?

Jurei, é claro, que fugiria de minha própria história. Subiria em um cavalo caro, e faria tudo diferente: uma forma mais aceitável de viver e dominar meus erros. Mas afinal, o que é um sonho? Aquele, do qual se acorda com a sensação de estar sendo consumido por dentro, de um sentimento que mal conhece.

Já provei tudo o que há de assustador nesta vida curta. Diria mais curta, se não estivesse vivo há pouco mais de quatro décadas. Mas afinal, o que é um beijo? E um sonho? Aquele sonho, do qual se acorda com vontade de matar a sede, de gritar, e provar mais um pouco.

O que foi aquilo, amigo? O desespero pela fuga, pelas palavras corretas, pelo amor falso. E nada terminou diferente: em pleno sonho, ninguém em plena consciência fugiria. Não é o meu caso. Mas e o que foi um sonho? Aquela vontade de jogar a última moeda na fonte, a última carta na mesa, e o último copo de vinho garganta abaixo.

E por que não voltar atrás, em última hora? Estava prestes a acordar, e o movimento lá no térreo não permitiu que eu voltasse mais uma vez àquele sonho bom. Mas afinal, Brad: o que é um sonho?”


(Unread letters from Joe, 2012)






quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Fotos na Estante (Short Memories - XI)

Em um certo momento, começo a rever velhas fotos que estão relativamente à mostra em minha sala. Lembro do perfume de cada uma delas, das vozes, dos pássaros, do som das águas ou do tumulto, presente em cada uma delas. Lembro-me do amor que eu sentia em cada uma delas também. Lembro-me do coração quebrado ao partir, e lembro-me da alegria a cada encontro.

"Obrigada por me fazer feliz."

A cada uma delas, volto a um passado distante, uma outra vida muito antes de meu recomeço. As memórias que não foram queimadas ou recortadas ainda estão vivas em velhos retratos, em álbuns empoeirados, ou até mesmo envelopes amarelos no fundo do armário.

O que me atormenta, então, é saber mais uma vez que eu não poderia estar ali novamente, como sempre sonhei, tal qual um efeito borboleta. Não importaria o caos, se dessa vez já soubesse como agir; Se dessa vez não fugisse; Se dessa vez soubesse como amar, e cumprisse a promessa de nunca abandonar.

A essa altura da linearidade dos fatos, metade deles já se foi. Outra parte sequer lembraria o meu nome. Impossível até mesmo entender por que eu ainda não queimei tudo isso. Talvez pela esperança de um dia voltar atrás e errar do mesmo modo, mais uma vez.

(Short Memories, Gabriel Derlan)


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

I Love You, Too (Unread Letter - V)

"...deu-lhe um beijo e partiu.
Disseram-lhe um dia que não haviam limites.
Deu-lhe um sorriso, sabendo que havia uma esperança de que ele voltaria no outro dia.
Pisou fundo, levantou a poeira, e sentiu o aperto.
Sabia, é claro, que aquela era a última vez, o último beijo, último adeus.
Quis partir sem avisar, sem compromisso algum de lágrimas ou recomendações repetitivas. Estaria longe quando todos sentissem sua falta.
Mal sabia que precisariam de longas décadas para isso.
A longa avenida pareceu pequena. As curvas, imperceptíveis. As notas menores de suas músicas prediletas passaram em branco. E todos os caminhos levaram-no para longe. Os sinais sempre se abriam, não importava a velocidade.
Descobriu então que tudo não teria passado de um sonho, um devaneio qualquer. Tudo estava bem novamente, tal qual acordar de um pesadelo.
Sentiu o aperto no peito mais uma vez. Uma velha música começou a entrar na faixa de seu rádio. 
Não era tarde.
Acendeu um cigarro, contemplou as próprias olheiras, e o que restava de esperança dentro de si.
Não houveram pausas para o café, não baixou a luz. E finalmente disse Adeus. 
E foi então, que seu sonho começou a tornar-se real, mais uma vez."

(Unread letters from Joe, 2011)



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Before I Make My Final Run (Unread Letter - IV)

"Em um Carnaval qualquer nos cruzamos pela rua, a ponto de esbarrar. Muitas histórias nossas caíram ao chão, e por gentileza extrema me ajudou a juntar uma a uma. Olhei aquele sorriso paciente e morri um instante por dentro, a ponto de não compreender mais o que faria. Deveria correr, ou pedir o seu número?

Mal sabia que em meio às minhas histórias estavam as suas histórias, traçadas há mais de cem anos. Estavam os seus olhos, que toleravam toda a minha loucura, e a sua voz doce que dizia que eu deveria correr atrás dos meus sonhos. Haveria tempo? - perguntava a todo momento, até em cartas ao vento sobre tantas coisas passadas.

Cegamente corri a sua volta, e tentei a todo custo ler as suas páginas, suas histórias, e encorajá-la a correr atrás de suas aventuras. A conheci por dez anos, que mais pareceram dez vidas, sobre tantos sorrisos, desabafos, sucessos, imperfeições, fugas. Corri literalmente à sua casa, até mesmo em sonhos.

Como é difícil viver algo que já se sabe a séculos, dificultar algo que eu nem ao menos criei, ansiar passar o tempo todo por perto, em paz. Onde está agora? Saberia me dizer a diferença do que eu sou para o que eu deveria ter sido naquele primeiro esbarro de nossas vidas? Admito que a sua voz tão doce sara a minha devassidão minuto após minuto. Mas afinal, para onde foi?

No final das contas, eu tento acreditar o tempo todo que ninguém mais vai partir. É algo que eu não tenho mais forças para enfrentar, assumo. Talvez porque você me leva a um caminho melhor, como sempre pedi aos céus. E agora, deveria mesmo deitar-me aos seus pés, frente ao seu caminho, ou então implorar para que me levasse contigo onde quer que fosse?"

(Unread letters from Joe, 2011)



If I Had The Time (Unread Letter - III)

“...porque afinal, eu seria louco o suficiente. Na verdade, amar não é loucura, não para mim. Mas haveria tempo o suficiente? Haveria a oportunidade de provar que o sentido da minha vida é outro, muito além do sentido da replicação de meu material genético?

De fato, não funciona. Já tentei até mesmo dormir com a cabeça aos pés da cama, para mudar o sentido de meus sonhos. Todo caminho que trilho no final das contas me leva a você. Até mesmo o mais fajuto dos atalhos. Não há tempo de voltar atrás, não agora. Mas e no futuro?

Tomo uma xícara de café preto, apoiado no guarda-corpo da varanda, vendo o movimento lá no chão, e a impressão que tenho é que você vai passar lá embaixo, e eu vou poder gritar o seu nome, e descer as escadas como um louco ao seu encontro, mais uma vez. Deveria ir a um hospício tomar um sol.

Na verdade, não era exatamente de um hospício que eu precisava. Precisava apenas de que cada segundo de confusão durasse uma eternidade. Que ninguém entendesse meus bilhetes guardados na escrivaninha, e que meu café me desse insônia ao invés de sono. Para que ser tão controverso? Ou eu não sei que eu existo.”


(Unread letters from Joe, 2011)



terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Eu Quero Que Você Saiba (Unread Letter - II)

"Em um futuro distante talvez, ou em meio ano.
Apenas uma esperança.
Deitados em um tapete olhando a luz do quarto pensando ser a lua ao som de boa música.
Apenas um sonho.
Dizer toda a verdade e perder algo tão puro, seria no mínimo loucura.
Mas certas coisas não podem ser ditas, ou o universo teria fim. O meu, ao menos.
Entrar na sua festa como um bom par.
Inusitado talvez.
Antes tivessem acontecido tantas outras coisas ao invés de minha fuga.
Antes que pudesse explicar o quão triste ficaria ao vê-la partir, você já estava longe.
E quando toda a história terminou, fui o primeiro a aplaudir.
Um mero fanático, ou mais um.
Talvez o único que acreditou em sua história desde as primeiras páginas, sem pular um capítulo sequer. 
E desta vez, quando o meu livro terminar darei o primeiro e único impresso a você, que merece saber de tudo isso."

(Unread letters from Joe, 2011).


Unread Letter - I

"Quem sabe tiveram mil e um motivos para recusar tal devassidão escrita, sequer compreendendo a vírgula no final de uma história tão perdida, entre mil e um amores falsos, moralismos defasados e fatos mal contados. Fui convencido de que o erro que me perseguia haveria de me pegar cedo ou tarde. Passei a viver um desamor diário, fugindo de mim mesmo minuto a minuto, amor após amor. Não adiantaria nada declarar-me nestas condições. De que valeria uma nobre dama em minha companhia se eu não seria capaz de dar a ela todo o amor merecido? Não pensava em ser a causa das lágrimas de ninguém tão nobre. Por essas e outras, entreguei-me ao maldito pó, que me consumia dia após dia, a ponto de desvairar-me em mundos completamente diferentes do meu. Sim, em meio a uma nuvem de pó branco no meu apartamento, daria um último suspiro, e um sorriso em direção à fresta de luz de minha janela. Seria um último pôr do sol, fazendo o que mais me tranquiliza. Aquela carta à minha amada nunca chegou a quem deveria ter chegado, quanto mais a resposta! Este pobre animal viu-se abandonado pelas ruas, até ser recolhido por uma pá de ouro e colocado dentro de uma jaula. Pobre Joe! Mal sabia que declarar os meus sentimentos puros em um mundo de cinzas poderia ter feito a diferença. Não confiei em mim, tal como fizeram todos a minha volta, exceto aquelas vozes e vultos com quem eu amava trocar ideias ocasionalmente. Pude viver um belo amor em minhas ideias, beijei por cartas, tive uma overdose, ouvi boa música, e agora quero descansar, talvez naquele banco no qual me sentei com meu velho amigo, que agora não serve a mais ninguém. Nenhum lugar passa a ser o mesmo depois que quem se ama vai embora. Sim, alguém não cuidou-se em sua carreira, e foi embora cedo também. Velhos amigos me traíram também, por amores baratos, e foram embora, mesmo continuando vivos. Quero voltar para casa, hoje talvez. Não é tão terrível dar-me ao luxo de outro estado ébrio. Talvez seja isso que está escrito naqueles cartões amarelos que quem me controla segura na mão. A verdade é que eu sinto as correntes de uma vida premeditada apertar os meus pulsos, mas a essas horas, é difícil voltar atrás. Não há mais tempo de declarar um amor, de cantar uma bela canção ou escrever uma carta com boas palavras. Quem sabe em algum momento ouça uma grande explosão de um duto de gás, e eu volte à minha nobre infância, correndo à beira da estrada tentando encontrar o meu caminho, e dê valor ao por do sol, que me dirá a hora de voltar atrás. Enquanto isso ficarei por aqui, a escrever cartas não lidas da antessala de meu destino a algum bom amigo em um futuro próximo. Até mais ver!”

(Unread letters from Joe, 2011).