sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Your Last Voice, Our Last Night



"- Seria esse o nosso adeus?"

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Na calada da noite, estava aqui a esmoer: Haveria mais algum lunático que não eu, acordado? No final de tão poucos mililitros de meu risonho veneno lembro-me do meu puro centésimo décimo primeiro diário! Óbvio que, intencionalmente, escancarei-o aos sete ventos como um nefasto começo. Mas afinal, teria começado ali toda aquela árdua bagunça? Talvez. Por que estaria eu triturando em meus porquês tamanhos devaneios a alguém que talvez mandaria um manicômio buscar-me tal qual um serviço qualquer a domicílio? Talvez porque no meio desta farra toda esta seja a única pessoa suficientemente confiável a ponto de ignorar tamanho disparato. Talvez fossem mais alguns textos. Ou quem sabe uma simples vontade de partir. Quem poderia explicar isso tudo? Já tenho certeza que não eu!

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Naquele corredor imenso, olho insistentemente para seus olhos, a fim de entender como deveria ser o sentimento de vê-la pela última vez. Apesar de saber que a reencontraria em minhas fugas, estava certo de que esta era a última vez que de fato estaríamos a sós.

Procuro dentro da bagunça que há dentro de mim algum resquício de indiferença, para que possa vê-la como qualquer outro lugar que já estive um dia, mas sei que, com o passar do tempo, o nosso amor fantasiosamente catastrófico começa a torturar-me em meu último suspiro ao seu lado.

Convido-a, então, a fugir comigo. Fosse a um café, ou a qualquer lugar que, a sós, pudesse enfim provar de si um minuto que fosse, a protelar o nosso fim. Corro em meio à chuva e, a cada gota fria que toca meu rosto, um turbilhão de lembranças de nós dois insiste em fazer-me planejar carregá-la comigo seja para onde for. 

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Dirijo como um insano em sua direção e, tão logo senta-se ao meu lado, toco seus cabelos. Tal qual por instinto, nossos lábios se atraem. Como inesquecível que fosse, o mundo para ao nosso redor. Quase que um vício, admito que de fato sentiria sua falta. 

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Não fosse cético, quiçá haveria de não postergar o fim. 
Não fosse esquivo, haveria de tomá-la como uma doce lembrança de nossa fuga!



quinta-feira, 30 de agosto de 2018

See You Soon - Who We Are V



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Vinte anos mais tarde, e o mesmo bilhete diz: "Sei que um dia seremos só nós dois!"
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Eram três horas da manhã e o mundo todo estava adormecido - ao menos fingiam-no. Tudo o que eu ouvia era minha respiração em meio aos livros que havia redescoberto em minha estante. Errante que era em meio ao turbilhão de histórias a que cada página me devolvia, ouço um deslizar dentre as páginas e ao passo que o marcador de páginas ciranda calmamente em uma guerra contra a gravidade, observo que não era um marcador em si, mas uma espécie de cianureto dissolvido em letras de uma belíssima caligrafia.

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Não me diga adeus.
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Buscando disfarçar minha obsessão em meio ao apartamento vazio, apago as luzes e acendo uma vela na cabeceira de minha cama. A oscilação da chama faz com que eu perca a noção de que não deveria fazê-lo, mas meus olhos insistem em perseguir aquele pedaço de papel em meio à penumbra de meu quarto.

Ao juntá-lo e relê-lo naquela festa que as sombras de minha vela causavam em meu quarto, percebi que se tratava de mais uma velha peça de meu maior peso. Já não era possível ressuscitar aquilo que por tanto tempo me manteve vivo, e as lembranças de quem fomos um ao outro provocavam certa estranheza na bagunça que se formava dentro de mim.

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Já pensou que isto terá um fim?
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De certo, não sabia lidar com o fato de que nosso momento de viver nossos mundos em paz se aproximava do fim. Sua respiração em meio a nossa festa, quando o mundo todo sabia fazê-las, estava ofegante. Ela olhava em meus olhos, segurava em meu braço e dizia:

- Fique mais um instante!

A certeza de nosso fim cirandava a nossa volta, fantasiada de distante em um pessimismo desleixado. Tudo o que sabíamos era que, na verdade, não seríamos só nós dois, mas tão somente um de nós e a lembrança de não termos aproveitado o tão pouco tempo que tínhamos um ao outro.


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

The same voice, The same night.




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Dirigia sem rumo meu velho carro, em uma avenida quase despovoada. Uma noite como qualquer outra.
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Esperava a noite chegar todos os dias. Em minha juventude, vivia um impasse ao aguardá-la, mas no fundo desejar que ela demorasse mais alguns instantes a chegar.

- Deveria contar-me como um dia a menos a viver? – Ela indagava.

De fato, considerar como um dia a menos a viver seria um excesso a quem tanto pregava o pessimismo. Tudo dependia do quanto eu tinha medo de ter desperdiçado um segundo sequer, quanto mais sendo momentos irrepetíveis em meu mundo.

Tinha a impressão de que quanto mais buscava justificar minha fuga, mais próxima estava minha jaula.

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Todos nós temos uma jaula.
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Cada noite de fato mostra quão grande e gradativa é a distância que estamos de nossa liberdade. Já não temos todo o tempo do mundo – ainda que relutemos em provar o contrário.

Esperava a noite chegar todos os dias. Em meu platonismo tórrido, aguardava que ela viesse a me encontrar. Indisfarçável, apreciava cada dose de seu sorriso e sonhava tê-lo junto aos meus – ainda que taciturno que era.

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No final das contas, a chegada da noite não era sequer a noite em si.
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A chegada da noite era a responsável por um de meus maiores pesos: o de não ter aproveitado cada segundo ao seu lado. De fato, a noite era um doce sonho. Mas a sua chegada lembrou-me de que nenhuma vez sequer disse que a amava, e de que sua loucura – um fascínio! – era um vício incontrolável em mim. A sua chegada era como um lembrete de que não mais a veria em minha escuridão.

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- Por que você não foi embora?
- Talvez eu não tenha sido forte como ela – respondi.



quinta-feira, 14 de junho de 2018

Alcohol, Oxytocin, Serotonin.



Agora somos só você e eu.

Aperto um pouco mais a mão em torno de meu cálice para que a sensação de que o deixaria cair seja só outro mero devaneio. A propósito, estes já não são poucos a essas alturas, fazendo-me sonhar com um passado funesto e sóbrio que eu deveria há anos ter dissolvido em outro cálice.

Quando acordei de meu último sonho, tive ideia de quão prazerosa foi a noite na qual dediquei-me a queimar tudo o que havia de bom senso em mim, a fim de vivê-la por mais um instante. Ou outro. Ou consecutivos outros.

Seria incapaz de entender toda a loucura. Como se pudesse ouvi-la falar dentro de mim, faço com que nossas histórias entrelacem a ponto de parecermos um só em meio ao desastre no qual estamos. Como insano, o tempo para, as luzes apagam, e adormecemos. 

Só você e eu.

De fato, nossa história resultou em uma fuga perpétua em meio à nossas alucinações recíprocas. Pois, ora fujo de você em direção ao que sempre julguei ter sido meu melhor, ora corro adicto pelo nosso erro recíproco. E deveras recorrente, claro.

Já não é mais possível, enfim, perceber que estive com você - tornamo-nos uma só imagem.

No final de tudo, evidente, peço que me ajude a fechar as portas, ainda que saiba que não possa caminhar. Peço que me ajude a guardar segredo, ainda que estar ébrio não colabore. Peço que me ajude a livrar de todo o resto, quando na verdade minha abstinência fala mais alto.

E assim tudo recomeça, entre nós dois. Like another arsonist choir!


terça-feira, 22 de maio de 2018

Maybe Real - Who We Are IV



"Mera platonice", dizia.

Ouvindo o telefone tocar ao fundo, tal qual uma providência divina, acabo por lembrar de anos de minha juventude nos quais eu fugia - nunca ébrio como hoje - à procura de um amor invernal em um frio descomunal, no silêncio daquela cidade quase inabitada.

Aquele telefone incessante me faz delirar sobre a voz que me diria do outro lado daquele emaranhado de ligações distantes que deveríamos nos perdoar e seguir em frente. Não fosse um devaneio, seria o plano perfeito para enterrar um dos inúmeros da legião de fantasmas de meu passado.

Está tudo bem, eu juro.

Naquelas noites de inverno, as quais insistia aproveitar transformá-las em um palco para meu desastre, tive a honra de fugir para encontrá-la na estrada marginal. Lembro claramente que não pensei duas vezes quando ouvi o telefone tocar e atendi. Um passo deveras instintivo me fez perceber que ela estava do outro lado daquele silêncio. Me fez, também, convencer em meio ao meu medo que deveria fugir para encontrá-la no meio da noite, e assim o fiz. 

Corri como louco em sua direção e a abracei como se fosse a última vez. E quase o era.

Aquele telefone incessante no outro lado da rua me fez descer as escadas e  atendê-la em um sonho repetitivo, na qual ela insistia que devíamos mais uma vez conversar sobre nós dois. Estávamos morrendo aos poucos.

Ao menos desta vez, pude perceber em sua voz a sinceridade de que ela realmente queria ouvir que eu sentia a sua falta. Não fosse mais um sonho, poderia jurar que largaria o desastre cômodo no qual mergulhei para viver a vida que tanto sonhei e escrevi ao seu lado.

Não fosse um sonho, poderia jurar que já a esqueci.




sábado, 14 de abril de 2018

Some kind of end



Já parou pra pensar que falta pouco?

Uma espécie de tortura surge ao passo em que um avalanche de sentimentos destrói o que haveria de bom senso em mim. O que deveria ser uma dose homeopática de lembranças que me manteria vivo, tornou-se um perigoso descomedimento.

O que de fato aquelas fotos causavam em mim, era algo não elucidável. Tal qual um adicto, insistia em viver aquele erro a fim de encontrar um meio de voltar e, semelhante a uma carta na manga, fazer o que realmente devera. Isso porque era incômodo perceber que não fazia ideia do estrago que aquelas fotografias me causariam quinze ou vinte anos após ter a pulquérrima iniciativa de tomá-las naquela que seria a última noite de nossa fuga.

Quem fez com que fosse sabotada minha dose de refúgio o fez pensando que jamais acordaria daquele sonho. Bebia algumas gotas daquele elixir infame e nostálgico para que pudesse, em dias normais, sonhar com aquela última e nefasta noite. Em cada sonho, como em um espetáculo, as luzes e as cores do palco me faziam entender que estávamos perto do fim. Não havia maneira qualquer de salvá-la, pois tudo me fazia acordar e perguntar insistentemente: "Como não haver percebido que era o fim?"

No final de cada odisseia que minha mente insistia em viver a fim de reencontrá-la dentro de mim, restava como uma abstinência o brilho em seus olhos, a insistência em mais um brinde, e um sorriso ao qual deveria ter me aproximado como oportuno que aquele instante se fez para, ao menos, beijá-la pela última vez. 

(JB - Wise Man)


quinta-feira, 29 de março de 2018

Anoxia



Uma noite como qualquer outra, na época em que ainda era jovem, mas já sentia como se minha mente estivesse cansada de viver no mesmo período em que as outras que me cercavam. Parecia ter ao menos mais de um século de vida em meio a pensamentos e desordens que ousavam acumular-se em minhas lembranças, fantasiando-se de coisas que realmente tivessem ocorrido.

Era um vício sem fim, e já podia perceber que todo aquele abismo fugiria em breve de meu controle. As luzes aos poucos se apagavam, e a única coisa que poderia ver era a faísca unindo-se tal qual de forma despretensiosa ao gás que saía de meu isqueiro. A fumaça que se formava em meio à bagunça de meus pensamentos de certo modo era gentil em esconder o que estava em minhas entrelinhas.

Não havia maneira de voltar, a não ser admitir que meu fim parecia ser viciante e confortável. Não havia maneira de avisar que as coisas fugiam ao meu controle, pois tal qual um crime ensaiado, todos tratavam como um mero devaneio, ou como um artifício para chamar a atenção dos holofotes. Mal sabiam que estávamos a poucos nós de entrarmos em um colapso irreversível.

Não pare!




sábado, 10 de março de 2018

The Night After



De tanto planejar uma maneira de sonhar com ela, acordei em outro mundo. Parecia estar disperso em meio à vida que outrora tinha, em um contexto deveras assombroso. Não pelo fato de eventualmente saber de algo ruim que me acometera naquele dia, mas por viver em uma mistura de meu presente com um passado ao qual realmente queria voltar.

Me aproximo de uma roda a qual sabia pertencer e a reencontro como sonhei. Como em todas as outras noites, percebo não ter palavras nem coragem para dizê-la que erramos em aviar nossa história de forma lenta e dolorosa. Isso porque não havia em mim qualquer sinal de estanque daquilo que ainda me exterminava aos poucos.

Olho em seus olhos e tento de alguma forma iludir-me de que o nosso sonho é recíproco. Sequer a ilusão consegue sobreviver a esta falta.

Vejo-a dar as costas e partir, ao som de meu mais profundo suspiro, outra vez.
- Oh céus.

Outra vez acordo, adicto, tal qual estaria às vésperas de meu centésimo décimo primeiro diário, às vésperas da noite na qual sabia que seria o nosso fim.

(STP. Thank you - T14)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Who We Are - III



No dia em que fui preso, não encontrei em lugar algum réstia de esperança no que haveria de acontecer. Isto porque não haveriam quaisquer motivos para estar lá fora novamente.

Muita coisa havia mudado desde que não consegui mais vê-la. Naquela cela que ousava equiparar a uma rotina gloriosa haviam muitos outros sentimentos dispersos pelas paredes e no teto. Causava certa estranheza saber que alguém que passou por ali teve os mesmos sentimentos que eu.

Passei a mão em uma bíblia que estava ao lado daquela montanha de roupas amassadas, saquei uma anotação com o verso em branco, uma caneta, e me pus a escrever.

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São coisas que eu gostaria que você soubesse:
1. Fique dez minutos a mais 
2. Repita que não me deixará partir
3. Minta que me ama 
4. Mantenha-me vivo
5. Dê-me Sua Nostalgia Gloriosa
6. Foi por desistir que morri
7. Não desperdice amor. A tua felicidade não tem preço.
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Quando terminei o bilhete, percebi que havia perdido o selo que me garantiria a entrega daquele desleixo escrito àquela que um dia sorrira para mim.

Esforcei-me para garantir que permaneceria viva dentro daquele mundo o qual eu mesmo havia encarcerado, no entanto passei a conformar-me com o fato de que seu estranho sorriso já estava esvaindo-se em branco sob meus olhos, os quais ao maior esforço imploravam: "Olhem para mim, olhos verdes!".

Dobrei o bilhete e novamente guardei-o dentro daquela bíblia, deixada ali para que perdidos como eu tivessem a esperança de encontrar alguém que os tirasse dali. Deitei naquela cama sepulcral de concreto, e dormi.

(Bush - Rooftoplive - Sea Of Memories - T2)