quarta-feira, 29 de abril de 2020

She knows that this is our true story



Desde antes do sol raiar e, como uma velha reza, agradeço por ainda estar vivo. 

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Lembro-me da noite na qual descobri a chave que nos conduziria a um lugar em comum. 

Era uma noite de outono, cuja atmosfera revelava a razão de ser minha estação predileta. Chego de viagem e, ao entrar em meu apartamento, abro a porta da varanda e deixo o vento frio invadir sorrateiramente minha sala.

Sóbrio como raramente havia de estar, deixo que a distração causada pelo turbilhão de pensamentos no silêncio de meu lar me domine, enquanto sento-me no sofá e, por um instante, fito meu velho piano armário.

O relógio na estante me instiga à cautela: as horas apressavam-se em mergulhar noite adentro.

Como que um feitiço, caminho embriagado pela ansiedade de relembrar uma de nossas músicas e, tão logo os martelos golpeiam as primeiras notas de nossos acordes, sufocadas instintivamente pelo pedal do meio, sou interrompido pelo toque do telefone.

Atônito, confundo-me com o medo de que a cidade toda desperte com aquele toque ensurdecedor. 

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- Tocava agora mesmo uma música para você. Jamais acreditaria, não é?
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Olho para tudo o que gira ao meu redor. Inspiro-me tão somente a registrar o que sobrou do caos que a última tempestade deixou em mim.

No final das contas, sobrevivo em saber - e eu o sei! - que você sempre esteve por perto.

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(The tide began to rise)