quarta-feira, 4 de março de 2015

An arsonist choir.



Eram tempos remotos, em uma vida como  qualquer outra das que se assiste em um televisor de tubo em preto e branco. Uma dama que sequer sabia o nome - ninguém o sabia - me furtava a liberdade de olhar para qualquer canto, através do brilho viciante de seus olhos. Mesmo sem saber, todos me diziam: Fuja enquanto há tempo!

Trágica era a sensação de dispnéia causada pela sua presença, o seu perfume, o seu charme. Era um sonho que andava em um corpo fora do meu em um rosto levemente familiar, um devaneio venenoso, sagaz. Ou talvez um amor perfeito, invejável? Afinal, todos diziam: Fuja, é uma cilada!

Ao abrir a porta do corredor em um fim de tarde, deparo com a sua imagem convidando-me a passar ao outro lado, a provar do seu vinho, do seu sangue, dos seus berros incessantes em meu ouvido em uma trilha sonora envolvente e ensurdecedora. Não sabia mais qual era meu fôlego em meio à sua astúcia, ao seu perigo. Já sabia há tempos que de sonhos não se foge!

Um pavio, uma fagulha. e o mundo inteiro pegou fogo antes de me acordar. E voltar para o lado de cá do corredor, a alguns degraus abaixo do paraíso queimou minha alma por inteira por algumas vidas. Saber que era uma armadilha para me escravizar não foi o suficiente para deixar-me arrependido.

Ao toque da campainha quando acordei do coma que aquela euforia me causou, percebi que o apartamento já estava vazio há anos e que meu mergulho de cabeça naquela aventura de pedra teria realmente valido a pena.

(Gabriel Derlan, 1990)