segunda-feira, 2 de março de 2015

O Ladrão de Cartas (Who We Are - II)



Pudera ele não ter lido aquelas frases!

Tal qual um espírito, rodeava desapercebido as caixas de correspondências a fim de ler o que não lhe competia. Pouco importava se eram contas, romances, ou até um cartão postal de um primo distante, mostrando estar muito bem vivo. Todas eram abertas no vapor de sua chaleira, enquanto fervia água para seu chá de poejo. Todas eram devolvidas na calada da noite, ao mesmo tempo em que novas eram roubadas.

Roubando cartas, sustentava seu amor - não tão - platônico por uma donzela que morava a dez quarteirões. Poderiam não conhecer um ao outro. Mas ele já conhecia o melhor e o pior do seu íntimo; Ela conhecia o seu rosto, de tanto espiá-lo de madrugada abrindo a caixa em seu portão.

Ele não teria estragado toda a história se não roubasse as suas cartas.

Mesmo não sendo conhecido, enciumava-se quando a moça era contestada pela sua solidão, que ainda não havia sido morta sequer por um medíocre ladrão de cartas. Ele, o príncipe gatuno, era massacrado todos os dias por palavras que nunca deveria ter lido a seu respeito.

Tudo o que precisava realmente, era ler os pensamentos dos remetentes para entender toda a história. Porque afinal, ela não merecia sentar-se a mesa para fumar cigarros e beber fermentado de milho - tudo isso é tão barato! Muito mais proveitoso seria um jantar a luz de velas com um prato mal feito e um chá descongestionante.

Mas para que entender mentes quando o desatino fala mais alto?