terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Unread Letter - I

"Quem sabe tiveram mil e um motivos para recusar tal devassidão escrita, sequer compreendendo a vírgula no final de uma história tão perdida, entre mil e um amores falsos, moralismos defasados e fatos mal contados. Fui convencido de que o erro que me perseguia haveria de me pegar cedo ou tarde. Passei a viver um desamor diário, fugindo de mim mesmo minuto a minuto, amor após amor. Não adiantaria nada declarar-me nestas condições. De que valeria uma nobre dama em minha companhia se eu não seria capaz de dar a ela todo o amor merecido? Não pensava em ser a causa das lágrimas de ninguém tão nobre. Por essas e outras, entreguei-me ao maldito pó, que me consumia dia após dia, a ponto de desvairar-me em mundos completamente diferentes do meu. Sim, em meio a uma nuvem de pó branco no meu apartamento, daria um último suspiro, e um sorriso em direção à fresta de luz de minha janela. Seria um último pôr do sol, fazendo o que mais me tranquiliza. Aquela carta à minha amada nunca chegou a quem deveria ter chegado, quanto mais a resposta! Este pobre animal viu-se abandonado pelas ruas, até ser recolhido por uma pá de ouro e colocado dentro de uma jaula. Pobre Joe! Mal sabia que declarar os meus sentimentos puros em um mundo de cinzas poderia ter feito a diferença. Não confiei em mim, tal como fizeram todos a minha volta, exceto aquelas vozes e vultos com quem eu amava trocar ideias ocasionalmente. Pude viver um belo amor em minhas ideias, beijei por cartas, tive uma overdose, ouvi boa música, e agora quero descansar, talvez naquele banco no qual me sentei com meu velho amigo, que agora não serve a mais ninguém. Nenhum lugar passa a ser o mesmo depois que quem se ama vai embora. Sim, alguém não cuidou-se em sua carreira, e foi embora cedo também. Velhos amigos me traíram também, por amores baratos, e foram embora, mesmo continuando vivos. Quero voltar para casa, hoje talvez. Não é tão terrível dar-me ao luxo de outro estado ébrio. Talvez seja isso que está escrito naqueles cartões amarelos que quem me controla segura na mão. A verdade é que eu sinto as correntes de uma vida premeditada apertar os meus pulsos, mas a essas horas, é difícil voltar atrás. Não há mais tempo de declarar um amor, de cantar uma bela canção ou escrever uma carta com boas palavras. Quem sabe em algum momento ouça uma grande explosão de um duto de gás, e eu volte à minha nobre infância, correndo à beira da estrada tentando encontrar o meu caminho, e dê valor ao por do sol, que me dirá a hora de voltar atrás. Enquanto isso ficarei por aqui, a escrever cartas não lidas da antessala de meu destino a algum bom amigo em um futuro próximo. Até mais ver!”

(Unread letters from Joe, 2011).