sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Trigésimo Quinto Sonho

Trigésimo quinto passo, rumo à plataforma de embarque de um trem que me levará ao infinito. Um bom perfume, um sobretudo elegante, e nenhuma bagagem. Faz um frio tremendo por aqui. Em meu relógio, faltam quinze minutos para as oito. Há pouco o sol se pôs, e eu peço a Deus para que amanhã eu possa vê-lo mais uma vez. Meu coração está batendo mais forte, e eu começo a ficar ansioso. Louco, talvez. Entrego meu ticket, e agora tenho a plena certeza de que irei rumo a Sudeste. Entro no meu trem,  e procuro um assento vazio, ao lado de um jornal, como em um sonho da noite passada. O máximo que eu encontro é aquela luz intermitente de fim de vagão, como em todos os livros, sob a qual está uma poltrona menos visada e única. Sento, e percebo que para o meu destino, serei acompanhado apenas de meu bom senso.

É outra noite fria, úmida e incomum. Ao sair da estação de meu destino,  percebo que devo ser o único na rua. Sinto os primeiros pingos de uma chuva delicada baterem em minha cabeça, em meus ombros, e na calçada pela qual estou caminhando. Percebo que meus passos ecoam, e que o ar gelado intimidou todo o mundo. São dez horas, e no fim da rua vejo, mais uma vez, uma linda mulher, a qual paro todas as noites para admirar, sentado em um meio fio. Ela tem uma beleza no mínimo peculiar. Ela está sentada, agora, em uma escrivaninha, na janela do segundo andar de sua casa. Gostaria de saber o título do livro que ela está lendo. Sento neste meio fio noite a noite, como um psicopata, ou apenas um pintor, que admira uma paisagem por longos períodos de tempo, para depois esboçá-la em uma tela com tinta a óleo, e vendê-la com um título sem sentido. 

Pela trigésima quinta vez, ela me olha e sorri, como se eu fosse algum personagem de seus livros. Vejo paz em seus olhos, como na primeira vez. A pureza habita naquele quarto, assim como as mais belas aventuras e quem sabe as mais belas paixões. A maneira pela qual a encontrei será um segredo eterno. Pela trigésima quinta vez, ela levanta-se de sua poltrona, me manda um beijo doce, que aquece a frieza que habita em meu coração, e que ilumina toda sombra que há em meu sorriso. Para esta noite, tenho certeza de que não estou mais só, de que há luz em minha vida, e tenho certeza também que o meu sorriso é verdadeiro. Eu sorrio e me levanto, ao passo que ela afasta-se da sua janela, e após alguns segundos, apaga a luz. Ela adormecerá em lindos sonhos, e eu voltarei para casa, mais uma vez, implorando para que amanhã tudo isso se repita.

Quem sabe, algum dia, eu não consiga fazer parte desta história? Um velho caderno, em um baú de madeira empoeirado, ainda me dirá.

(Short chronicles, Gabriel Derlan)