segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Old Stories

Estou em um quarto longe de tudo. Uma espécie de refúgio. No canto, um piano de armário com um timbre mágico. Ao lado do piano, uma prateleira de livros jamais lidos. Ao centro, uma vitrola tocando uma sinfonia controversa e perturbadora.

Aqui, por certo, é o meu forte. Fugi para cá desde minha última batalha. Talvez tenha sido ontem a noite, ou há quinze minutos, não sei. Sei que a cada segundo, uma nova batalha surge dentro de mim: Fico ou corro? Assumo ou desisto? São tantas coisas, tantas decisões por segundo, que me forço a fugir para cá, para o meu forte.

Sob os meus pés, um assoalho que trás rangidos a cada passo. Do lado de fora, uma floresta a perder de vista. Sobre minha cabeça, um teto de madeira iluminado por uma lâmpada incandescente. Ao sentar em meu piano, lembrei-me de quantas vezes fugi para cá, e para cada vez, compus uma nova música. Mas relembrá-las me trás à memória as batalhas passadas, e eu sei que já é tarde para voltar e desfazer certas decisões, e muito mais tarde ainda para virar o jogo.

A música que toco agora, se torna suficientemente mágica para reduzir a intensidade da luz, trazer um perfume agradável ao meu esconderijo e uma brisa suave lá fora, e me fazer ver cores e brilhos incomuns em tudo o que há ao meu redor. A intensidade com que os martelos batem nas cordas torna-se viciante. Tudo isso tornou-se um ritual, tudo isso tornou-se um sonho. A harmonia de minhas notas está trazendo um aconchego ao meu corpo de guerreiro, e sinto pela primeira vez em tantos anos a liberdade.

Sinto uma luz chocar-se de repente com o meu rosto, e tudo o que está em volta começar a mover-se. Um vento do sul começa a levar embora as paredes de madeira de meu pequeno habitáculo, mas eu e o piano já nos tornamos um só: nada mais pode parar a minha música! Já não tenho controle sobre meus movimentos, e vejo tudo o que está acontecendo ao redor com um olhar apreensivo. As árvores imensas começam a ser engolidas pela terra e em seguida todo o chão é consumido. Estou agarrado a um piano em meio a um universo azul, um céu, um além. 

Me assombro com a mudança rápida de tudo o que está ao meu redor. Me assombro com a cura tão rápida de tantas feridas e medos da guerra. Tomo coragem, e me liberto do piano, mas não de minha música, que ecoa no vazio. Caio, no meio do além, que começa a tornar-se escuro. Vejo então, o pôr do sol em um mundo sem chão, sem paredes. A noite cai sobre mim, e eu me vejo então sobre uma cama, um doce lar. Sinto que voltei para casa, mais uma vez. Há algo inacabado por aqui, ou alguma recompensa que mereço receber. Ainda não o sei.

Toda a minha certeza é que amanhã será um dia melhor. Serão outras batalhas, outros livros, outros sonhos. Mas sei que amanhã será um dia melhor. Durmam em paz cordas, martelos, livros, pianos, páginas, ouvidos e guerreiros, pois amanhã vocês serão a minha espada, mais uma vez.

(Short Memories, Short Chronicles and Short Stories, Gabriel Derlan)